Voo de balão

Peter Rossi

Fiz algo que queria ter feito há muito tempo. Voei de balão e lá de cima vi que a vida é muito maior que imaginava. Do alto, percebi as montanhas menores, os carros, como formigas, seguindo um atrás do outro. E as pessoas? Essas não consegui ver. Estava longe. Passei apenas a imaginar.

Do céu, as coisas não só parecem menores, aparentam ser mais frágeis também, como que mínimas, transitórias. A vida, vista de cima não é melhor, nem pior, só é diferente.

Aquele balão, multicor, viajava ao sabor dos ventos, com o leme à deriva. Me levava onde queria, eu apenas seguia. Passava por campos que só tinha visto antes em filmes. Milimetricamente lindos, equilibrados, todas as plantas do mesmo tamanho, como um tapete. Nesse momento o balão me deu um presente, baixou como se uma rajada de vento o obrigasse a aterrissar. Mas foi só um divertido susto, ele quis apenas me proporcionar um ângulo mais favorável da cena. Mas, como um foguete, e não um balão, subiu repentinamente. A concessão tinha acabado. Eu que guardasse na memória aquela imagem.

Em seguida vieram montanhas de pedra pura e aquele mar verde que só minha Minas tem. Os rios serpenteando os vales, a desenhar loucos desenhos que jamais imaginei tão belos, como agora os vejo. Aquelas rochas brotando do ventre dos montes, como a pretender um respiro a mais. As pedras, assim como eu, queriam enxergar o céu. Nada mais justo! Rompendo vão igualmente desenhando brutas flores naquelas montanhas.

Pedras e flores são iguais, percebi lá de cima. Aliás, penso que as rochas um dia foram flores e preferiram nunca mais mudar de cor. Elas se performam estáticas, mas fica evidente que a intenção é decorar o ambiente. E as pedras, elas nos veem, percebem nossa dúvida e, enigmáticas, ficam a sorrir, sorrateiramente.

O balão segue o curso que de curso nada tem. Ele apenas sobrevoa todas as minhas vontades e rabisca um vem e vai no pôr do sol. Não tinha percebido, mas a tarde estava caindo. Uma lata imensa de tinta alaranjada caiu sobre o painel do dia e um aconchego embrulhava meu corpo, acalentando o frio que não percebi que sentia.

A noite estava por chegar, e o balão, meio apavorado, já procurava algum lugar para pousar. Como uma borboleta ziguezagueava. Voos noturnos não são recomendáveis para balões, ele bem sabia. Eu, na minha insensatez, também tinha essa noção. Mas nada podia fazer, afinal era só um passageiro.

Eis que de repente algumas cordas despencaram e o balão acabou se enrolando, e por ali ficou, não conseguia mais chegar até o solo. Olhei pra cima e percebi algumas estrelas sorridentes a segurar o balão. Elas simplesmente queriam que estivéssemos – eu e o balão – por ali. Queriam desfrutar de nossa companhia e também mostrar que a noite era tão bela quanto o dia. 

Passei a observar e só vi luzes lá embaixo, milhares delas. Era o desenho do homem a me mostrar que poderia ser tão lindo como o da natureza. E era lindo sim, tenho que concordar.

As estrelas, absolutamente excitadas, percebiam o nosso encantamento. Isso mesmo, o nosso. O balão, àquela altura, também se rendera e só fazia observar os respingos de luz em suas cores.

Seguimos mosaicos iluminados, pulando de uma constelação pra outra e, sem cansar, alcançamos um novo amanhecer. O sol, ainda espreguiçando, lançou raios de calor sobre o balão. Ele acordou também. Eu, ao contrário, não consegui pregar o olho, fiquei atento todo o tempo, mas não me sentia cansado. Era tanta belezura, uma atrás da outra, que meu coração manteve o compasso e, ritmado, cuidou de manter estabilizadas as minhas funções vitais. No fundo, eu estava feliz em minha inteireza.

O dia seguiria, imaginava eu, em novas aventuras. Iria desbravar novas fronteiras. O balão me parecia bem, inteiro, disposto. Passei a imaginar novas imagens deslumbrantes, aconchegantes, inesquecíveis. Já pensava em pedir ao balão que sobrevoasse o mar. Ah, como adoro o mar! Aqueles azuis e verdes com debruns brancos se misturando ao sabor das ondas, num cenário infindável. O mar, em certa altura de nossas retinas, faz fronteira com o céu. Estava entusiasmado para encontrar aquele fim. Torcia também por umas gotas de chuva a desenhar um arco-íris. Muita chuva não! Tinha medo do balão escorregar. Mas chuva pouca seria bem-vinda, com certeza.

Imaginava tantas novidades que não me atentei, num primeiro momento, ao barulho do despertador. Aquele era um dia comum, num lugar comum. Era hora de levantar, o trabalho à minha espreita, já acumulava problemas a serem enfrentados. Assustado percebi que não tive sequer oportunidade de agradecer ao balão.

Mas aquela fora uma prenda da qual jamais me esquecerei. E, desde então, durmo com um olho aberto e outro fechado, a esperar o próximo voo. Ele virá, afinal merecemos! O melhor de tudo é saber que a vida nos oferece balões, um após o outro, outro mais colorido que um, a nos fazer viajar por nossos sonhos, esses sim o melhor palco de nossas performances.

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