Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com
Duas semanas atrás eu contei que adotei um gato preto. Poe está comigo desde então e nos tornamos bons amigos. Ele dorme em minha cama, arranha os meus sapatos, sobe em minha mesa de trabalho e… kdsdaçorhprkljasjfafdsap — sai pisando no teclado.
Com o seu jeito travesso e curioso, me arranca boas risadas. Mas nem tudo é diversão nessa cilada peluda. A paternidade de quatro patas também tem lá as suas responsabilidades: ração de salmão super premium que é o olho da cara, vermífugo, vacinas e mais vacinas.
Foi este último compromisso com a saúde do bichano, a primeira dose da vacina tetravalente, que rendeu uma história.
Pai de primeira viagem, resolvi levar o bigodudo para vacinar, sem grandes preparativos. Apenas acordei o bichano de uma soneca, o coloquei no banco do passageiro do carro e comecei a dirigir até a clínica veterinária. Sozinho.
No meio do caminho, o inofensivo filhote de gato se tornou a miniatura do abominável monstro de garras afiadas.
Poe não miava, gritava. Não arranhava, dilacerava. Não se agitava, se contorcia, fazia piruetas no ar e pousava com as unhas cravadas em meu pescoço.
Precisei fechar as janelas para que ele não se suicidasse. Precisei parar o carro duas ou três vezes para que eu não nos matasse.
Sorte é que aqui, em Araxá, o trânsito é brando e as distâncias, curtas. Em dez minutos de briga com o pequeno Wolverine, estacionávamos em frente à clínica veterinária. Fiquei tão enfurecido quanto Poe, assim que uma voz atendeu o interfone: a clínica mudou de lugar.
Mais cinco minutos de tortura e chegamos ao endereço certo.
Enquanto eu manobrava o carro na vaga, Poe mordia a minha orelha e arranhava a minha testa. Sangue germinava dos arranhões, e eu lamentava os fios puxados em minha camisa. Quando abri a porta do carro, uma sombra passou por mim. Era Poe. E eu, como um gato, catei o bicho no ar.
Dentro do consultório, Poe resistiu à vacinação como um protótipo de Bolsonaro, mas a ciência venceu mais essa.
Poe foi enfim imunizado.
A volta não foi menos tranquila. O filhote fincou as unhas no meu ombro direito, eu finquei o pé no acelerador e assim chegamos em casa — em frangalhos. Só que eu não imaginava que o pior ainda estava por vir.
Na correria, acabei perdendo o meu celular.
Pedi para que o meu pai ligasse nele, enquanto eu revirava os tapetes do carro, devassava o porta-luvas e arrancava os cabelos. Então eu escutei o meu pai dizer ao telefone:
— Alô? Quem está falando? Este telefone é do meu filho.
O resto é assunto para outra crônica.
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