Meias

Peter Rossi

Tenho observado que, depois de um tempo, passei a dar mais importância às meias. De um item qualquer que teimava em retirar da gaveta sem qualquer critério, as meias passaram a ser uma peça devidamente reverenciada e escolhida.

Gosto de meias coloridas, daquelas com desenhos, e não tenho o menor pudor em usá-las com ternos ou roupas sociais.

Mas essa reflexão não é simplesmente narrativa. Ela está convidando a pensar qual o motivo da preferência pelas meias coloridas.

E aí são inúmeras as possibilidades. A conclusão não exclui nenhuma das hipóteses.

Acho que gosto de meias coloridas simplesmente porque assim o são… coloridas; e ao trazer tal paleta de cores fazem com que minha vida fique colorida também. Será?

Meias que me mantêm com a alma aquecida, mais que isso, envolvida e ensopada de cor.

Mas qual o sentido? Meias ficam escondidas dentro dos sapatos, embaixo das calças e, via de regra, são vistas de cima prá baixo. Se coloridas ou não, jamais desfilarão! Isso pouco importa, sei que ali estão e cada uma mais linda que a outra.

As vezes me pego pensando que minhas meias refletem o meu estado de espírito. Há um pouco de verdade nisso, pois ainda que deprimido, triste, desesperançoso, minhas meias estão sempre em festa.

Isso mesmo! Comemoro a vida através das meias. Ao calça-las, logo pela manhã, antevejo que o dia será bom, afinal minhas meias sorriem, são bailarinas, meias meninas vestidas para um fim de tarde, em busca do mais terno beijo. Essas meias são danadas, elas refletem desejos.

E aí, sou forçado a concordar que com minhas meias os passos são mais ritmados, na verdade um desfile.

Minhas meias, uma armadura. Uma não; são duas – um par. A melhor das formas de união: um par! E em par são imbatíveis, como capas de super-heróis. Verdade! Com minhas meias posso até voar.

Numa noite de frio de roer os ossos o pijama de nada serve se lá no fim, logo depois da bainha da calça, não estejam as meias.

Incrível como uma coisa tão banal, de banal nada tem. Se todos prestassem mais atenção em suas meias, certamente voariam, como pipas coloridas no céu dos sonhos.

São ternas e aconchegantes. Com elas, na impossibilidade de abraçar nossos pés, as meias fazem as vezes de mãos.

Fico aqui me lembrando que meias não envelhecem, não se perdem. Se abraçam a tantas outras e, num passe de mágica, se transformam em bolas, as mais macias, a rolar pelos nossos sonhos. Bolas de meia, aquelas que carregamos nos bolsos da nossa infância, nas mochilas que nossa saudade deixa dependurada nos ganchos do tempo.

Meias são tão especiais que ficam acordadas, ao pé das árvores de natal, a esperar e agasalhar todos os presentes que insistimos em pensar que merecemos.

São tão importantes que passam a definir a divisão entre um dia e outro. Isso mesmo! A noite, nessa hora, toma emprestado seu nome – meia-noite! Fico sempre com a impressão de que a noite calça suas meias e, enroladinha no escuro, espera o sol abrir a janela.

Existem, ainda que nem tão coloridas, as meias verdades. Até felicidades em forma de meias se pode conceber.

Sem qualquer medo não deixo de estar com minhas coloridas meias. São meu escudo, minha certeza de que o sol se refletirá nos meus pés e como telas de cinema, transbordando em cores, me fará assistir, no correr do dia, um filme de amor.

Só uma coisa tenho que admitir: meias não se dividem. Andam sempre juntas, abraçadinhas dentro da gaveta, uma ao lado da outra, ou então aninhadas, como que pretendendo ser uma só. Mas isso, tem jeito não! Nos nossos pés andam sempre olhando, de soslaio, pra que lado a outra vai. E se o simples passo se faz passar por dança, se apressam em seguir o mesmo ritmo. Mesmo separadas, são inseparáveis, quando nada complementares. Vem a primeira e, paradinha na beira da calçada, espera a outra chegar. Olham uma prá outra, piscam e seguem em frente.

Meias são adoráveis, talvez por isso não sobrevivam sem que formem um único par. Que interessante: não se cogita pensar em meia… meia. Nessa ordem de ideias, as meias nos mostram que, além de um estado de espírito, elas são únicas, ainda que divididas em duas que têm como pretensão ser uma só. E por isso a pergunta é uma só: existe forma mais evidente de personificar o amor? Dois tentando, de todas as formas, buscando vencer todas as metades que a vida apresenta, viver como se fossem um?

Meias, minhas amadas, minhas coloridas namoradas, estou inteiro se as tenho em par aquecendo pretensamente meus pés, mas na verdade agasalhando meu coração.

Meias, minhas meninas com vestidos coloridos em dias de quermesse, minhas prendas, meus pés sorrindo, como se a vida, enquanto vida – simples assim, sempre aparece no fim do dia, como um arco-íris.

Meias que me emprestam suas cores, ainda que fiquem escondidinhas, só prá que eu seja feliz. Precisa mais?

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