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Sabores e dissabores pós confinamento

Eduardo de Ávila
Tem momentos que sinto tudo na mais absoluta normalidade, porém – evidentemente – esse período de isolamento mexeu com as nossas emoções. Inquieto, como sempre fui, confesso não entender como consegui resistir aos toques de recolher que a situação sugeriu e exigiu, notadamente nos primeiros tempos da pandemia. Sinceramente não foi por medo de morrer, isso eu tinha quando era criança. Achava tão absurdo imaginar que um dia a vida teria fim. Hoje, com pouco mais de 60, tendo vivido e experimentado tudo que minha vontade sugeriu, me sinto preparado para quando isso tiver de ocorrer. Mais uns trinta anos, acredito, ainda me caem bem nessa existência. Fato é que o ir e vir já não tem mais restrição. As máscaras ainda escondem muitos rostos e me fazem passar por momentos de total constrangimento. Ela esconde a face, mas não a minha barba. Com isso, a todo momento, tem uma pessoa mascarada na minha frente querendo que eu também a identifique. Antes era só o óculos escuro, agora complicou mais ainda. E, assumo, sou péssimo fisionomista e – pior ainda – com memória de nome. Passo cada sufoco. Apelo, pedindo, “me ajuda aí”. Tem quem ajuda, mas alguns não gostam e reclamam, como se fosse desdém. Não é!

Como se não bastasse, minha condição de ainda “sem carro” (até hoje não sei se compro, alugo ou mantenho aplicativo), me obriga a aguardar a boa vontade dos prestadores de serviços da Uber e da 99. Não sei qual é pior. Demora, cancelamento, taxas às vezes escorchantes que te colocam (em pensamento) dentro de uma concessionária fazendo o pix e saindo motorizado. Ainda bem que, nesse caso, não tem programa de fidelização e te permitem chamar do concorrente.

Mudar de aplicativo no transporte urbano é quase igual fazer portabilidade de operadora de telefonia. É deixar de passar raiva na Vivo, pra ter a mesma sensação de impotência na Tim, Claro, Oi ou outra de menor expressão. Vale para todos os serviços oferecidos. Telefone móvel, internet fixa, televisão por assinatura. O serviço sempre tem instabilidade no momento que mais precisamos. Ligar para reclamar é perigoso e causa grandes problemas de hipertensão arterial. A pressão, que por sugestão médica, não faço tanta medição quanto estive habituado – creio – dá saltos a cada nova mensagem de“se quiser isso, disque, um; aquilo, disque dois; aquilo outro, disque três; para repetir, disque nove ou aguarde na linha”. Daí meia hora de música e, eventualmente, um aviso. “Estamos trabalhando para melhor atendê-lo, aguarde mais alguns instantes”. E o telemarketing que não dá sossego. Andei sendo grosseiro e, salvo melhor juízo, algumas empresas malas tiraram meu CPF e telefone de seus registros. “O senhor tem um cadastro pré-aprovado em nosso sistema”. E tô lá eu querendo empréstimo? Não compro nada a prestação. Absolutamente nada mesmo. Bem material, viagem, nem as duas cadeiras cativas do estádio que o meu time irá inaugurar foram financiadas. Pois esses bancos, com seus lucros milionários, querem a todo custo me tirar do sossego para virar escravo de sua agiotagem legitimada pelo capitalismo selvagem. Xô Santander, Bradesco, Safra, Caixa e todos. Só trabalho com dois deles, assim mesmo por conhecer os gerentes. Detesto modernidade digital na minha conta bancária. Eu e meu ídolo da infância nas revistinhas em quadrinho, dos antigos gibis, conhecido como Urtigão, temos algumas coisas em comum. Odiamos que nosso sossego e silêncio sejam invadidos e incomodados, por distraídos, atrevidos e folgados cidadãos. Nossa diferença é que ainda não mudei para o mato – embora vá dispensar o cachorro – tampouco pretendo usar um rifle para espantar os desavisados. Uma certeza eu tenho, não vou ter telefone móvel e redes sociais. Nem precisar de carro por aplicativo, movimentação bancária, e tudo e toda sugestão de modernidade. Quero não!
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