O mais previsível da vida é a morte. Essa é a verdade mais evidente. Mas a certeza dessa realidade nos aflige de tal maneira que preferimos ignorá-la e, para driblá-la, fazemos malabarismos.
A gente se finge forte e eterno. A gente voa, cria, trabalha. A gente experimenta, se expande, se imagina imortal.
A gente bebe espumante, se alimenta de frutas da estação e de risoto de cogumelos. A gente ama e faz planos para o futuro.
A gente vai à praia, toma banho de mar e água com gás. A gente caminha e escala montanhas.
A gente se acha dono do tempo, quer controlar a vida, disciplinar os desejos do outro. A gente se multiplica, se reproduz, querendo o infinito.
A gente anda de bicicleta, faz pudim de leite condensado, tira fotos e posta a vida nas redes sociais. O que a gente posta mesmo é o nosso medo da morte, o medo de não ter vivido.
Porque a verdade inequívoca é que a gente é tão humano como roupas estendidas nos varais. E a vida é tão imponderável que deixá-la seguir no seu fluxo parece um desaforo.
A morte nos iguala em todas as dimensões, mas a gente insiste em querer ser diferente, exclusivo, único, especial.
Escrevo hoje do Rio Grande do Sul, gosto de escrever quando estou aqui. Meu olhar daqui é de estrangeiro, então as paisagens sempre me inspiram muito. Agora o frio está rigoroso, faz entre um e nove graus lá fora. Fico de pijamas e casaco a maior parte do dia. Escrevo. O vento é forte e seu barulho é um uivo contínuo, como nos filmes de terror.
Os álamos e plátanos estão secos, as folhas decíduas caíram todas. Os pomares de maçã e os parreirais também estão sem cor, aparentemente mortos pela aridez do inverno. Não há colheita, só geada. Todos eles estão dormentes, recolhidos, à espera do tempo. São pacientes e sábios, esperam a rigidez do inverno passar para voltarem a brotar. Sabem se proteger. Sabem perceber os sinais dos ciclos para serem o melhor que podem ser. A sabedoria da natureza está explícita por aqui.
Vendo os ciclos de transformações definidos pelas estações do ano, eu penso em alinhar os meus próprios ritmos, a me recolher um pouco mais, um convite a viver mais integrada com a natureza. Ao me harmonizar com os ritmos das estações e do meu próprio corpo, eu me respeito e isso me traz conforto e paz.
Ontem à noite, a morte nos visitou. A morte, toda concreta em sua irreversibilidade. Um denso nevoeiro invadiu os corações e obscureceu os olhares. Tudo ficou mais frio e cinza, a vida entrou em dormência permanente. E, apesar de toda luz e calor de um verão precoce ao redor, ela não vai mais brotar, não acorda mais.
Tomara que as dores da morte se curem e cicatrizem como as feridas no braço de uma criança.
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