Sandra Belchiolina
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Não dá para precisar a importância de Contardo Calligaris na minha formação psicanalítica. Identifico sua transmissão efetuada de forma sutil, humorada e profunda que me marcam. Ele foi e continuará sendo uma referência em pensamento crítico e científico para muitos de nós.
A primeira crônica que li, foi-me apresentada em tempos da formação em psicologia. Não sei o nome, mas até hoje a cito em conversas como a da semana passada com amigos.
O assunto é sobre a forma do brasileiro e seu “complexo de patinho feio”. O autor cita que os primeiro cidadãos que vieram de Portugal para o Brasil, em seus desejos e referências mantiveram como o bom lugar lá, além terra brasileira.
Enfim, há mais de 25 anos os textos de Calligaris são reflexões para mim. A princípio por considerá-los inteligentes, posteriormente por admirar sua forma de transmitir a psicanálise em pequenas pinceladas e sutilmente inserir seu saber. Ele aborda temas delicados como em “Minha Covardia me da vontade de agredir quem ousa viver do seu jeito”¹. Nela ele apresenta o filme Divinas Divas de Leandra Leal:
“Qualquer uma das artistas, hoje idosas, poderia cantar que ela viveu ‘do seu jeito’, e o efeito em mim seria o mesmo: uma espécie de reverência diante da coragem de quem se aventura a viver encarando o que vier (do escárnio ao ódio) para respeitar seu próprio desejo.”
E termina a crônica: “Parêntese. Engraçado, é sempre assim: quanto menos a gente entende, tanto mais a gente parece ter ideias claras e definidas.” Isso é Calligaris – aberto para o saber e para transmissão.
Em 2020 pude assisti-lo numa entrevista junto a outros colegas. Em certo momento o assunto foi a minisérie da Netflix, Freud. Alguns colegas torceram o nariz com relação ao conteúdo da película e Calligaris, numa de suas tiradas irônicas, diz que adorou e que Freud estava um “gato”. Relata que o pai da psicanálise teve uma vida de realizações e enfrentamento de suas angústias. Escrevi sobre em Freud no Tempo do Coronavírus². Creio que Calligaris deixou sua marca nisso e apresentou esse outro olhar para algo que vemos e que poderia ser igual, mas não é. Fiquei também com o que é aproveitável da ficção sobre Freud.
Novamente sua influência aparece e o cito na crônica “A Revolução dos Bichos”³. Ele foi um homem politizado e que viveu muito enfrentamentos e seus escritos mostram isso.
Em plena pandemia, em entrevista, fala de seu desejo de menos necessidades materiais. Exemplifica se observando e coloca que tem dois carros na garagem e que precisaria apenas de um.
Escreveu para Folha de São Paulo por mais de 20 anos. Sentiremos falta de suas ponderações. Quando o psicanalista percebeu que estava no final de sua vida disse: “espero estar à altura“. Ele mantém sua palavra viva.
Parêntese: escolhi a foto para o post pensando que ele iria gostar, pois está muito sensual.
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Referências
²https://blogs.uai.com.br/mirante/2020/04/09/freud-no-tempo-do-coronavirus/
³https://blogs.uai.com.br/mirante/2020/07/16/a-revolucao-dos-bichos/
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