Guilherme Scarpellini
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Ruy Castro está em home office há 30 anos. Desde que pediu as contas na revista Veja, no fim dos anos 1980, nunca mais pisou numa redação. E, do seu apartamento, no Rio, trabalhou como um cão. Foram 20 livros publicados. Dentre eles, as biografias de João Gilberto (e da Bossa Nova), Carmen Miranda, Nelson Rodrigues e Garrincha, sendo este coroado com um Jabuti, em 1996. Sem contar as crônicas publicadas na Folha a cada vez que o sol desponta de trás do Pão de Açúcar.
Adotei o mesmo regime de trabalho por quatro meses em razão da pandemia. Além de cumprir os compromissos do estágio, da faculdade e dos preparativos para o exame da OAB, lia um livro por semana, escrevi três contos, comecei e apaguei um punhado deles, e publiquei as colunas neste Mirante aos sábados. Fui mais feliz naquele tempo. Agora quero para sempre. Logo, pedi as contas no escritório. Que venham 100 anos de solidão, digo, de home office.
Encerrei ontem a mais longeva carreira de estagiário. Foram três anos durante o curso de comunicação social e outros três anos e meio no decorrer da graduação de direito. Já vi de tudo o que um estagiário pode ver. Isto é, tudo mesmo. Certa vez, um colega disse que iria comprar pão de queijo, e nunca mais voltou. Outra vez, a minha chefe me despediu, para depois abrir uma gargalhada e dizer: “brincadeirinha!”. Um dia todos foram embora e me trancaram no escritório, tipo, esqueceram de mim. Já trabalhei numa sala com apenas um banheiro. Detalhe: éramos 30, homens e mulheres. Fui humilhado, criticado, explorado, estropiado. E até coisas boas aconteceram.
Foi durante o meu estágio na assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa que aprendi — acho — a escrever. Agradeço eternamente aos jornalistas Carlos Máximo e Arlan França, que revisavam, sem perder o juízo e a razão, os meus textos. Eram pequenos arrazoados de 850 toques, a partir dos discursos dos parlamentares — etimologicamente falando, homens que parlam demais. Haja poder de coesão!
Depois, me foram solicitadas pequenas matérias e reportagens. Arlan, neste ponto, foi um pai para mim. Explicava-me, didaticamente, como funcionava o lead no texto jornalístico: “primeiro, introduz a cabeça; depois entra o resto”. Isso a faculdade não ensina.
Sem falar nas aulas de gramática, sempre às segundas-feiras, com o poeta Fabrício Marques.
São com essas boas memórias que prefiro pendurar as chuteiras.