Sandra Belchiolina
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Distraída dos concursos de misses estaduais, nem havia percebido que habemus Miss Brasil 2020 desde o dia 20 de agosto. Ontem recebi de uma amiga um vídeo do discurso de coroamento realizado em quatro idiomas. Júlia Weissheirmer Welang Gama, a representante mor da beleza brasileira em 2020, ano da pandemia, fala com desenvoltura e delicadeza, direcionando sua voz para o mundo. Ouvindo seu pronunciamento, veio-me a questão do alcance das vozes das misses – elas a possuem?
A primeira resposta foi que elas ainda representam algo para além da beleza (dos dotes físicos, como dizem). Creio que essa amiga que me enviou o vídeo nem imagina que eu também, no passado, já estive pisado em passarelas. Então vamos ver quem é a nossa Miss Brasil 2020 e o que sua eleição traz, e se há algo de inovador diante das circunstâncias da COVID-19.
Júlia Gama é gaúcha, está com 27 anos, mora na China, fala fluente às línguas: espanhol, inglês, mandarim e português (claro). Relata em suas entrevistas que quando mais jovem, não se imaginava em passarelas, considerava-se desengonçada por ter 1,77 de altura, não usava saltos, nem maquilagem e tinha vergonha de vestir biquíni. Inscreveu-se no primeiro concurso por incentivo de uma amiga. Foi de forma natural para a disputa e ressalta: “com os cabelos cacheados”. Usa um termo interessante para definir as concorrentes: “estavam todas montadas”, é o que se observa em muitas mulheres atualmente, nada naturais. Aposta que ganhou seu primeiro concurso por ser o que ela era.
Foi eleita Miss Mundo Brasil 2014 e desde então esteve focada na carreira de atriz e modelo na China. Teve um sonho onde era coroada novamente, o que a levaria ao atual título. Nesse ano de pandemia, com as imposições de distanciamento e uso de máscara, sua eleição foi realizada por meio de “uma análise apurada de perfis de várias outras candidatas, observando seus dotes naturais, desempenho nas redes, comunicação com o público, atuação e engajamento social “¹. Ou seja, sem o público e o desfile tradicional.
No seu discurso de posse, falando em português, espanhol, inglês e mandarim, enalteceu em sua voz um reinado direcionado ao diálogo e inclusão. “Eu desejo construir mais pontes e menos muros. E, espero ocupar o meu lugar e usar minha voz para falar de cuidados, de proteção social e de saúde.” Dirigindo-se ao público em espanhol, diz que quer representar os latinos, e que sejamos ouvidos. Em inglês, diz pretender usar sua fala para que haja entendimento entre as nações. Em mandarim, agradece o apoio.
Eleita num ano atípico, Júlia vem com uma experiência e seis anos após sua primeira representação nacional, sendo um fato inédito essa diferença de tantos anos e o ressurgimento para outro título. Aos 27 anos possui vivência profissional internacional, é muito bonita, transmite tranquilidade, se diz competitiva (num bom sentido, conforme sua biografia, onde relata sobre práticas de esportes). Teve um sonho recente e resolveu colocá-lo em prática. Escutou seu desejo, e quiçá por isso, o concretizou.
Voltando a voz da miss e sua representação – pela simpatia e engajamento – creio que teremos uma boa locutora.
À representação de uma miss é como as demais representações públicas, possuem uma dimensão incalculável. É singular na forma e nas significâncias, e cada pessoa irá absorver a imagem e voz refletindo seu próprio conhecimento de mundo e de linguagem. Portanto, para as pessoas de maior visibilidade social a responsabilidade é maior. E, citando dois casos diferentes sem entrar na política, mas sendo políticos.
Participei de uma conversa recente em que se discutia por que um Padre usava máscara na celebração da missa, mesmo estando longe dos fiéis. Não tive dúvidas em responder que sua pessoa, como representante da fé e Igreja, mandava o recado da importância de se protegerem do vírus.
A outra situação foi mais pessoal. Muitos anos após ter sido miss – participei do concurso Miss Minas Gerais, representando Lagoa da Prata, minha cidade natal – conversando com uma conterrânea e amiga (atual), a qual era criança de nove anos na época, me disse: “Sandra, quando você foi miss, eu não brincava de Barbie, eu brincava de Sandra”. Levei um susto! Hoje penso que fui melhor modelo do que a Barbie, por minhas imperfeições e faltas. Minha amiga é uma linda mulher/mãe, “não montada” e no que tudo indica – de bem com a vida.
Júlia Gama, que vai desfilando/deslizando na minha escuta como Júlia Gana – desejo intenso. Beldade que em seu Instagram se questiona: “O que faço com o meu privilégio branco”. Quero ampliar sua pergunta, Júlia: o que você irá fazer com seu privilégio branco, de bela e portadora de uma voz?
Desejo sorte e uma voz universal para nossa bela Júlia Gama/Gana e que voe no seu desejo!