Reprodução/GettyImages
Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Um segundo antes de o sinal pular do amarelo para o vermelho, o homem acelerou. Quase deu com um motoqueiro que, não menos impaciente, já arrancava do outro lado.

Foi quando ouvi uma voz mansa se arrastar. Delongou-se no caminho entre a boca do interlocutor e os meus ouvidos, mas chegou, íntegra:

— Ter pressa pra quê?

Então o autor da questão apareceu ao meu lado. Era um tipo tranquilão, com a máscara dependurada no queixo, bermuda e um cigarrinho pendendo no canto da boca. Atravessamos a rua e caminhamos meio quarteirão. Ele falando, eu ouvindo. Precisei reduzir o ritmo dos passos.

O pacato amigo contou-me então que é taxista há vinte anos. Já viu de tudo nas ruas de Belo Horizonte. Atropelamentos, abalroamentos, brigas de trânsito e mesmo coisas mais sérias, como um sujeito que convergiu sem antes ligar a seta. Tragédias da nossa vida corrida.

— Ter pressa pra quê? — disse ele.

E quis saber, com ar de superioridade, se eu conhecia fábula do coelho e a tartaruga.

— Claro! — respondi.

De nada adiantou. Pois ele me contou que o coelho e a tartaruga precisavam chegar ao topo da montanha. O coelho correu tanto, mas tanto, que parou no meio do caminho. Ao passo que a tartaruga, devagar e sempre, dali a duas ou três horas, estava lá: plena, no alto da montanha.

Despedimos, eu sorri educadamente e ele acenou de volta, entrando no seu táxi branco.

Segui meu caminho até a esquina, quando a luz vermelha do sinal de pedestres deu a piscar. Você sabe, eu ainda estava no meu direito de atravessar. Mas, inspirado na história da tartaruga, finquei os pés na calçada, e resolvi esperar.

Sorte a minha. Pois um segundo depois, um táxi branco avançou imprudentemente, como se tivesse toda a pressa do mundo, sem tempo nem de explicar pra quê.

Guilherme Scarpellini

Recent Posts

Metáfora Madonna

Daniela Piroli Cabral danielapirolicabral@gmail.com Coisa mais rasa (e, infelizmente, e cada dia mais comum) é…

11 horas ago

Não é teimosia e sim jumentice

Eduardo de Ávila Vivemos tempos tristes, embalados pela onda de um reacionarismo – nada tem…

1 dia ago

Só — Capítulo 6

Victória Farias Capítulo 6   Isac despertou com a luz fria e forte da enfermaria…

2 dias ago

Defensora do amor

Silvia Ribeiro Sempre fui uma defensora do amor. Defendo a sua compostura, a sua galhardia,…

2 dias ago

Cachaça alemã

Mário Sérgio “Seu garçom faça o favor de me trazer depressa…” pedido feito pelo genial…

3 dias ago

Sobre a vida

Rosangela Maluf Fazia mais de quinze minutos que eu esperava o ônibus, no ponto da…

3 dias ago