Turbulências da pandemia

Eduardo de Ávila

Estou vivendo hoje meu exato 129º dia de isolamento. Em 15 de março – quanto me confinei por auto deliberação –, acreditava ficar algo em torno de 30 noites necessárias para fugir desse medo em contrair esse maldito e desconhecido vírus.

Com o tempo, fui me conformando com seguidos adiamentos. Imaginei mais uma ou duas semanas e já estou na exata 19ª sequência semanal. Já se vão mais de quatro meses, onde me foram permitidas saídas esporádicas para médicos, dentistas, laboratórios e farmácias. Como se vê, todas pela hipocondria pessoal agravada pelo momento. Até recentemente por outras razões distantes da COVID.

Ah! Por obra e graça de um médico ortopedista, recebi indicações de realizar sugestivas caminhadas para não atrofiar membros (aqueles que ainda funcionam) por 30 minutos diários. E também para tomar sol em busca de vitamina D. Quando saia eu parecia mais um astronauta (foto acima). Me valia dessa regalia para buscar um almoço delivery. Até que…..

Antes, porém, repetir situações hilárias que o isolamento social me sugeriu e condenou nessa fase inusitada de ficar distante de tudo aquilo que me agrada. Trabalho – juro, ainda gosto desse compromisso – e estou me adaptando – convenientemente – ao home office. Sem necessidade de tirar o pijama e sequer o uso de terno e gravata.

Porém, ficar sem os jogos do meu time do coração (no próximo domingo acaba essa difícil abstinência, já outras permanecem) não tem sido fácil a quem nunca deixa de ir ao estádio. Outras restrições publicáveis, como ir ao shopping para apreciar o movimento – footing – e frequentar cafeteria e salas de cinema. Que falta isso me faz!

Trancado em casa, nos primeiros tempos, além de quebrar um copo, asa de xícara e óculos de cabeceira, considero isso prejuízos pequenos para quem não tem qualquer habilidade com serviços domésticos. Angustiado, apelei ao retorno gradual de uma moça que organiza minha bagunça em casa. Cozinha, roupa e até no preparo da alimentação.

O relaxamento nunca tem limite e o preço dele, seja na ameaça ou configuração, sempre é caro e apavorante. Aconteceu que, abandonei meu home office e fui ao local do meu trabalho em dois momentos, quinze dias atrás. Reuniões rápidas, cerca de 20 minutos cada; na primeira éramos três e na outra duas pessoas. Todos com máscaras e distância recomendadas.

Dias depois, o mesmo que repetiu aos dois encontros – prudentemente – me informou ter testado positivo. Imediatamente recorri aos médicos que disponho na família. Um irmão infectologista e uma sobrinha geriatra. Melhor impossível e ambos me tranquilizaram pelos cuidados que reconhecem eu ter, não só no momento COVID como de resto em toda minha vida.

Ainda assim, recorri à uma consulta online, orientado até mesmo por pessoas do meu trabalho. Novamente fui confortado sobre eventuais riscos, mas, por segurança e prudência, foi me sugerido me trancar novamente em casa e fazer o exame sorológico, para afastar qualquer suspeita. Aquele com pesquisa de anticorpos.

Pois, até esperar o dia da coleta, que deveria aguardar por eventuais sintomas e um maior espaço de tempo desse contato, voltei a sentir tudo. Meu termômetro, aparelho de pressão e oxímetro voltaram a atuar depois de dias em desuso. Três, quatro, cinco medições por dia. Sempre bem.

EM

Mas sentia cansaço nas pernas, febre que não era confirmada nas medições, secreção no nariz; minha eterna raspação na garganta se agigantou e virou tosse continuada e aquela coceira nos olhos confirmava que o imperceptível vírus – traiçoeiramente – entrava no meu organismo. Duas noites de sono prejudicaram meu desempenho no dia seguinte.

Com receio e conformado, lá fui para o laboratório, como se fosse uma rês (gado e sem intenção diferente) para o abatedouro. Pensava assim, o prazo do resultado é de até dois dias, terei tempo de me preparar. E até mesmo pensar como deveria me conduzir, caso confirmasse o resultado, às pessoas próximas.

Entre as avaliações da minha vida, que pretendia e ainda quero ir bem mais tempo, aceitava os desígnios e admitia ter aproveitado muito bem minha passagem pela Terra. Até que, finalmente, o resultado é liberado. Com toda tensão que o momento sugere, fui abrir – página a página – nove ao todo, e aliviado ler “negativo” e outros resultados, todos eles dentro da margem de segurança.

Trancado de novo, mas quero avaliar pelo menos a caminhada diária. Sol e o bom visual das ruas ajudam a tolerar tantas limitações. E mais, sinto que vamos entrar finalmente em contagem regressiva. Me aguarde vida lá fora, quero retomar – todos – os prazeres que sempre me proporcionou.

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2 comentários sobre “Turbulências da pandemia

  1. Para vc ver! Dizem por aí q se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último! Portanto,o mal das pessoas é acharem q a gente vai ser trouxa pelo resto da vida. A elas uma dose gigante de bom humor e inteligência. O primeiro seduz,o segundo desarma.
    Saúde, meu amigo Ermitão temporão!

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