O presidente Bolsonaro (Carolina Antunes/Agência Brasil)
Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Mudei radicalmente os hábitos de vida. Não bebo mais água durante as refeições, porque água prejudica a digestão — agora só se for Coca-Cola.

Vendi o meu carro também. Assim, contribuo para um trânsito melhor, já que vou e volto de Uber. Passei a rezar dobrado. Pratico solidariedade e gentileza. Mas não sei o nome do vizinho de frente.

Quem disser que sou incoerente, errou. Porque é claro que sou. Nelson Rodrigues dizia que toda coerência é, no mínimo, suspeita. Mas dizia também que toda unanimidade é burra. O que faz dele um homem muito coerente — e, unanimemente, no mínimo, suspeito.

Incoerência insuspeita é o que se vê no Brasil. Aqui, um governo autoritário que desgoverna é eleito democraticamente. Um velho que fala “c*” na internet é tido como filósofo. Dados científicos são considerados uma piada de português.

O presidente da fundação que protege a cultura negra no país é negro — e racista. O ministério do Meio Ambiente é controlado por um homem que quer passar a “boiada” na floresta.

Cristãos pregam discurso de ódio e defendem o armamento. Liberais são conservadores até o osso. Reacionários estão conformados com tudo o que está aí. A velha política é novinha em folha, sendo mais da mesma — só que pior.

João Dória é chamado de comunista. Comunistas enriquecem. Ministro astronauta trabalha para um governo terraplanista. Ministra da mulher é machista. Ministro da economia, elitista. Ministro da educação, analfabeto. E tem até atriz com saudade do AI-5.

E mais (que é menos):

Prefeitos e governadores flexibilizam o isolamento, enquanto morre um por minuto. Secretário de Saúde de Belo Horizonte chama de “idiota” quem faz caminhada na rua, mas autoriza a população a bater perna no comércio de rua.

Presidente lança perdigotos contra o povo. Agora o povo lança perdigotos contra o povo. Torcidas organizadas pedem tolerância. Mas não toleram a torcida adversária no mesmo estádio de futebol.

Manifestantes se aglomeram a dois metros de distância. Alçam cartazes pela democracia. Bradam contra o fascismo e o racismo. Sendo que o vírus não discrimina por raça, gênero ou coloração política.

Pode até soar incoerente, mas ainda precisamos lutar em casa. Afinal, para que servem as panelas?

Guilherme Scarpellini

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