“Melhor nunca significa melhor para todo mundo.”
– The Handmaid’s Tale
–
Victória Farias
Toda vez que tentava andar um pouco mais rápido na calçada vazia da Avenida Brasil, Sérgio sentia uma vertiginosa falta de ar. Sabia da necessidade, mas odiava a obrigação de ter que usar máscara sempre que fosse sair. Parou até de se barbear, não via mais motivos para isso.
Olhou para o relógio de pulso que marcava 16:27h e apressou um pouco o passo, o suficiente para andar mais rápido do que se tivesse engatinhando, mas não tanto para não parecer que estava lutando pela vida.
Tinha uma consulta marcada no oftalmologista às 16:45h. Não estava enxergando o mundo direito, não sabia se por conta de não reconhecer o modo de agir das pessoas que mais amava, ou por que já estava na hora de mudar de óculos. Escolheu a segunda opção.
Chegando no número 1.462 da Avenida Brasil, pegou o elevador com pessoas que estavam prendendo a respiração, mesmo tendo duas camadas de pano cobrindo o rosto. Não adiantava mais usar perfume – um hábito que já tinha abandonado também – todos cheiravam ao mesmo álcool 70%. Se perguntava se era por isso que todos pareciam bêbados errantes em Belo Horizonte depois das 18h.
Descendo no 15º andar, se viu em uma sala de espera relativamente vazia. Depois de se identificar com a secretária, aguardou. Minutos depois, uma porta no fim do corredor se abriu, e uma mulher alta e de uma beleza extrema – pelo menos foi o que ele imaginou – veio andando em sua direção.
Ele não conseguiu se mover, pois estava ocupado demais tentando decifrar o que estava acontecendo. Será que tinha morrido e ido para o céu? Se levantou no impulso.
– Sérgio? – Ela perguntou.
– Até onde eu me lembre – ele respondeu com um quê de ironia.
Ela não disse nada, mas as únicas coisas que ele podia ver do seu rosto – dois olhos quase cinzas – brilharam. Ficou se perguntando se aquilo tinha sido um sorriso.
– Eu sou a doutora Carla, vou te atender hoje. Você poderia me acompanhar?
– Eu tenho escolha? – Respondeu, e percebeu novamente o brilho no olhar da outra. Meu. Deus. Isso. Foi. Um. Sorriso? Pensou, enquanto acompanhava a médica para dentro do consultório.
Saindo de lá, enquanto fazia todo o trajeto de volta, só conseguia imaginar o nariz bem desenhado de Carla por trás daquela máscara. Ou o sorriso que ele tinha certeza que ela abriu depois que fez aquelas duas piadas ruins.
Era difícil saber o que a outra pessoa estava pensando quando só o que se podia ver do outro fosse um par de olhos quase sempre, sem esperança.
Chegando em casa, depois de muito xingar mentalmente a doença em si e o uso de máscaras por conseguinte, resolveu fazer a barba, uma chance aos velhos hábitos. Aquele sorriso (que te adianto, caro leitor, não aconteceu, pois as piadas realmente foram ruins) tinha despertado nele uma motivação nova.
Quando, na frente do espelho do seu banheiro, com o aparelho de barbear na mão, tirou sua própria máscara, se viu com um pedaço de alface de um tamanho considerável no dente da frente.
– Acho que é uma boa hora para voltar a escovar os dentes também – disse para o seu reflexo.
Depois dessa observação, se barbeou.
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