Victória Farias
Carnaval – festa que reúne pessoas de todos os cantos do mundo, em solo brasileiro, numa onda de comemorações, sem distinção de classe social, raça ou gênero.
No Brasil, podemos até substituir a expressão “amor platônico” por “amor de carnaval”.
Segundo algumas bocas – que não bebem e nem cantam – o ano só começa depois desta festividade. Que assim seja, então.
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Durante minha infância eu não era a fã número um da festa mais graciosa do mundo.
Muito provavelmente, por nascer e crescer (até um metro e cinquenta) em uma família extremamente evangélica. Falo extremamente, pois eles sim, defendem essa posição.
Então, nunca me dediquei em conhecer o que estava por trás de pessoas cantando alto e dançando por dias inteiros a fio.
Mas me perguntava de onde vinha tanta felicidade e animação para acordar às 05h e sair atrás de um bloco, acompanhado de mais de 500 mil pessoas e então brilhar pelas ruas centrais da capital.
Deve ser alguma coisa na água, ninguém é tão feliz assim em fevereiro, mês onde todos os pecados habitam, segundo alguns livros com 1.189 capítulos.
Mas, então, como em um choque repentino de glitter e serpentina, descobri de onde todos os sorrisos largos vinham, e toda alegria borbulhava.
É o puro amor pela vida, e uma alegria imensa pelo simples fato de estar respirando, por estar com quem se ama, ou até mesmo pela oportunidade de superar um amor, o que não é de todo ruim.
Se a possibilidade de superação existe, a de reencontro na folia, também.
O carnaval bate a alas, de salto alto e pele queimada de sol, e mesmo não estando no nosso melhor momento, vamos remando e sambando.
Essa semana, meus ouvidos foram abençoados com o samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira, e quando dei por mim, estava me balançando com a reza dos cariocas.
Ano passado, foi a Viradouro – o no anterior o Paraíso do Tuiuti – que conseguiram esse feito no meu subconsciente.
Não é por menos. A música deixa de ser apenas uma canção e se apresenta como um manifesto sustentado por milhões de vozes extasiadas e uma bateria que não poderia estar mais afinada.
Canta-se sobre coragem, esperança, vontade, paixão, perda, tudo que é real, tudo que existe na essência primordial do ser humano.
E, no final das contas, toda a festa não passa disso, uma manifestação humana – é honradamente brasileira – daquilo que exatamente somos.
Corajosos em continuar, esperançosos pela mudança, movidos a paixão, cheios de vontades e manias, sensibilizados com a perda, buscando, não importa como e por quais meios, se conectar com o real, essencialmente, com a vida.
Que viva o carnaval entre os meros mortais. Que o carnaval viva entre nós.
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Enredo: A Verdade Vos Fará Livre
Estação Primeira de Mangueira
Senhor, tenha piedade/ Olhai para a terra/ Veja quanta maldade/ Senhor, tenha piedade/ Olhai para a terra/ Veja quanta maldade
Mangueira/ Samba, teu samba é uma reza/ Pela força que ele tem
Mangueira/ Vão te inventar mil pecados/ Mas eu estou do seu lado/ E do lado do samba também
[…]
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré/ Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher/ Moleque pelintra no buraco quente/ Meu nome é Jesus da Gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado/ Meu pai carpinteiro, desempregado/ Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira/ Me encontro no amor que não encontra fronteira/ Procura por mim nas fileiras contra a opressão/ E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão/ E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
Eu tô que tô dependurado/ Em cordéis e corcovados/ Mas será que todo povo entendeu o meu recado?/ Porque, de novo, cravejaram o meu corpo/ Os profetas da intolerância/ Sem saber que a esperança/ Brilha mais na escuridão
Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem messias de arma na mão/ Favela, pega a visão/ Eu faço fé na minha gente/ Que é semente do seu chão
Do céu deu pra ouvir/ O desabafo sincopado da cidade/ Quarei tambor, da cruz fiz esplendor/ E ressurgi pro cordão da liberdade
[…]
Olá ! Que interessante o entrelace que vc teceu , entre a religiosidade e o tema carnaval, mesmo entrelace que a escola de samba fez, no samba enredo. Ficou muito agradável a leitura. O texto é delicioso. Achei bacana sua visão positiva do caranaval, como elemento de construção,de explosão de alegria e de implosão, digamos, dos dissabores amorosos e outros mais. Pra mim o carnaval é pura alegria . O ritmo, a galera pulando junta, nas subidas e descidas das ladeiras de Ouro Preto, atrás dos blocos das repúblicas. As famílias nas ruas, com suas crianças fantasiadas de homens aranha e princesas, no blocos, de tarde, nas ruas de Ouro Preto; o Zé Pereira, o sonho, a fantasia, as máscaras. Um sonho. Uma festa na cidade toda. O rock no ritmo carnavalesco!
Certo ano, uma escola de samba do Rio homenageou os Círios de Nazaré. Inesquecível comissão de frente. Como virá a da Mangueira?
Eu confio e acredito em Deus totalmente, e “na beleza da resposta da criança : é bonita é bonita e é bonita!”
Lourdinha.
Olá, Lourdinha!
Obrigada pelo seu comentário e por compartilhar essa visão tão linda – e realista – sobre a maior festa do Brasil. Que, entre tantas coisas, a alegria sobreviva.
Abraços,
Victória Farias