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O Imprevisível

Rosangela Maluf

Aquela menina bem poderia ser sua filha. Aos sessenta, ter uma filha de quarenta era uma possibilidade real. Ela, por sua vez, era pediatra, casada, com duas filhas, mas totalmente fora dos padrões.

Layla parecia mesmo uma garota rebelde. Magrinha, miúda, cabelo curto, cor laranja. Tatuagens. Muitos brincos. Muito falante, muito divertida. Responsável no trabalho. Dona de casa exigente. Mãe dedicada de duas meninas lindas. Falava com os olhinhos brilhando dos seus exaustivos plantões de Pediatria nos hospitais Um e Dois. Dizia com entusiasmo sobre o casamento: quinze anos ao lado do marido que ela tanto adorava. E se derretia ao falar das crianças, calmas e tranquilas, que nem se pareciam filhas daquela mãe tão agitada. Ela ouvia tudo e, sempre que solicitada, era a confidente vivida e experiente, em quem Layla buscava abrigo.

Juntas, frequentaram por dois anos as aulas de yoga e, sempre que dava tempo, tomavam chá na padaria ao lado da escola. Toda semana, às quartas-feiras, depois do horário, era sagrado o tempinho reservado para colocar os assuntos em dia. O papo era sempre agradável e muito divertido. Tornaram-se confidentes, amigas de verdade. Nem sempre era só risada: muito papo sério, conversa de grandes amigas, mais até do que entre mãe e filha.

Assim, pouco a pouco, ela conheceu melhor a jovem médica, por quem desenvolveu, ao longo do tempo, um carinho enorme. Entretanto, não se viam fora daquele ambiente e, por algum motivo, nunca frequentaram a casa uma da outra. Mas aquela amizade era uma alegria única para cada uma delas. Um caso mesmo de amor e carinho imensos. Ela & Layla.

Encontraram-se uma única vez no shopping, por acaso: Layla, o marido, as duas filhas. Papo rápido, apresentações. Para as filhas, apresentou a amiga como sendo “a outra vovó”! Uma das meninas, a mais nova, carregava uma cachorrinha — uma coisinha pequena e fofa chamada Flor! Uns poucos minutos de brincadeiras com o animalzinho, conversas meio sem cabimento, algumas risadas, e cada uma foi para o seu canto, se ocupar do que já se encontrava anteriormente programado.

Algum tempo se passou depois que desistiram de continuar na yoga. A jovem médica, por ter iniciado uma especialização dentro da Pediatria; e ela, por ter ido para a Austrália, onde residia uma das filhas. Foi conhecer a primeira netinha.

Algum tempo depois, ela voltou para a mesma escola e recomeçou com as aulas, sempre às quartas-feiras. Uma tarde, surge a jovem médica. Que boa surpresa e quanta mudança! O mesmo tipo franzino, magrinha, miúda e espevitada, mas sem o cabelo laranja. Sem os três brincos habituais; apenas uma argola discreta em cada orelha. Parecia muito mais madura. Mais adulta. Mais mulher. Uma agradável surpresa e, melhor ainda, conhecer aquela nova Layla que se apresentava.

Tudo voltara ao normal, até que ela começou a sentir muita dor nos joelhos. Uma dor desagradável, não constante, mas que dificultava ou impedia a execução dos exercícios e posturas do yoga. Continuou enquanto foi possível, até que resolveu parar por uns tempos e procurar um reumatologista que lhe fora indicado por Layla.

Precisou substituir o yoga pela fisioterapia, acupuntura, homeopatia e, por aí foi. Ficou uns seis meses parada. Pouco contato com a amiga. Algumas mensagens pelo WhatsApp, poucos convites para um reencontro e vários cancelamentos pelo Messenger.

Uma noite, já deitada, o celular toca: uma mensagem da Layla. “Vamos nos ver amanhã. Chá das Cinco. Muita saudade de você. Sem crianças e sem hora pra terminar. Combinadíssimo? Na confeitaria de sempre… ou você tem outra sugestão? Beijos.”

Lá foram elas rumo ao chá. Conversas sérias e outras menos sérias. Risadas. Retrospectiva dos meses longe uma da outra. Planos, novas ideias, viagens, algumas mudanças. Quem sabe uma casa nova? Pediram um bolo indiano, aquele que, teoricamente, encerrava todos os cafés (ou chás!).

Entra um senhor na confeitaria. “Papai!”, Layla falou, acenando! Uma coincidência? (Ela pensou). O pai-da-Layla chegou. Sem muita cerimônia, ele se apresentou. Sentou-se, pediu um café e disse que esperaria pelo bolo indiano. Conversaram animadamente por mais de meia hora, os três. Layla precisou voltar. Ela também já queria ir para casa. Mas ele insistiu. O papo estava bom. Interessante. Animado. E ela foi ficando. Gostando da conversa. Homem inteligente, culto e, principalmente, muito bem-humorado. Apesar de alto e elegante, não era bonito.

A confeitaria já se preparava para fechar quando os dois se foram. Gentilmente, ele a levou em casa. Marcaram um novo encontro para continuar a falar sobre livros, já que ele planejava publicar um trabalho científico ao qual vinha se dedicando nos últimos anos. Teriam ainda muito assunto.

Seis meses se passaram.

Da janela do hotel, ela avistava a Plaza del Congreso. De lá, poderiam passear pelo centro da cidade a pé, sem pressa, admirando cada cantinho da capital portenha: La Plaza de Mayo, La Casa Rosada, El Obelisco. Uma rezadinha na Catedral Metropolitana antes de degustar, no almoço, um bom malbec e um bife de chorizo.

Enquanto ela sonhava em rever a cidade que tanto amava, ele fazia roteiros e programas noturnos. Um teatro ou um bom musical na Broadway. Jantar no Puerto Madero.

No dia seguinte, visitar o teatro Colón numa visita guiada. Fazer compras nas Galerías Pacífico, uma lembrancinha para Layla e para as meninas. Depois, caminhar pela Corrientes. Se desse tempo, um pulo até a Recoleta, o Cemitério da Recoleta. Talvez visitar novamente o túmulo de Eva Perón. À noite, outra peça de teatro e outro jantar, em grande estilo.

Ainda teriam dois dias. Na manhã seguinte, passariam um bom tempo andando pelo Caminito. À tarde, algumas horas na livraria El Ateneo, onde ele tinha um amigo e falariam sobre o livro que ele queria publicar — quem sabe, também na Argentina? Ele era muito fã de futebol, queria voltar à La Bombonera. Ela não se opôs quando viu o roteiro. Concordava sempre, afinal, o passeio deveria ser completo, para os dois. Por isso, incluiu na programação uma manhã de domingo na Feria de San Telmo, onde adorava ver antiguidades, roupas vintage, um povo alegre na rua, muitos turistas e espetaculares shows com músicos ao vivo.

Um casal de amigos os havia convidado para jantar, os quatro. Mas ele achou melhor não. Reservou dois lugares no Cabana Las Lilas, em Puerto Madero. Mostrou a ela, pela internet, o interior do restaurante, o menu e o serviço considerado excepcional. Reservou a mesa para dois. Sugeriu o vestido que ela deveria usar. O casaco e o lenço de seda no pescoço. Separou para ele um blazer xadrez, discreto e elegante. Sugeriu o perfume que ela deveria usar. Sorriram um para o outro diante dos tantos detalhes surgidos.

Estava decidido: no Cabana, comemorariam, com champagne francês, os seis meses de namoro.

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