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Cidadania, consumidor e assistência técnica

Eduardo de Ávila

Algumas situações recentes da minha vida me levaram a refletir sobre o conflito que os tempos modernos me impuseram, uma condenação sem direito a recurso, seja ordinário ou extraordinário. Na minha época, desde uma compra de calçado até um radinho de pilha e outros bens de consumo, tudo tinha uma durabilidade quase eterna. O sapato ia ao sapateiro uma vez por ano e voltava praticamente novo e revitalizado. Nos jogos do Ganso, em Araxá, e depois do Galo, já em BH, meu parceiro nos jogos (sim, na arquibancada e ouvindo a transmissão) era esse radinho que ficava colado no ouvido. Colado, às vezes, com durex, resistia ao tempo e sempre funcionava.

Os tempos são outros, claro. Eu não seria capaz de enfrentar essa modernidade. Imagine! Sapato ressolado? Hoje em dia, nem pneu reformado tem lugar no mercado. Os demais produtos, seja o mencionado radinho ou até bens de consumo como geladeira, fogão e micro-ondas, são descartáveis. Carros também! E ai de quem sair por aí com esses bens antigos e reformados – individualmente ou em grupos – será exemplarmente debochado pelos caminhos tortuosos dessa realidade.

Recentemente, experimentei duas situações com calçados descartáveis. Uma delas foi uma confortável sandália para usar em casa. Com três meses de uso, a danada desmanchou, e seu destino foi a lixeira. Tentei consertar, mas não havia como recuperar. Indignado, entrei em contato com o fabricante, trocamos mensagens e acabei recebendo em casa dois pares similares ao único que havia adquirido. Não tive a mesma sorte com um tênis, comprado em uma grande rede do setor, usando o mesmo expediente. Enviei a foto, como no caso anterior, e recebi uma resposta padrão (quase robótica) e automática. Contestei, e nem o robô humano (ou desumano) me deu atenção. Tudo descartável.

Paralelamente a isso, já contei aqui sobre minha nova moradia, que me trouxe o estímulo para seguir por mais algumas décadas nesta passagem pela vida corpórea. Sim, antes de virar espírito, ainda pretendo curtir os prazeres que a existência me sugere e permite. Perto de tudo que sempre vivenciei em Belo Horizonte, posso até ir para o trabalho de ônibus (0800 pela idade) e deixar o carro na garagem. Sozinho, posso me alongar pelas ruas e cafeterias, sem causar preocupação ou transtorno para quem me esperasse. Tudo isso tem sido fantástico, mas a assistência técnica do elevador tem me contrariado.

Quando me mudei, sabia de antemão que o condomínio passaria por grandes reformas. E assim tem sido, incluindo a troca dos elevadores. Substituíram as velhas tartarugas por modernos e mais velozes equipamentos para transportar pessoas com rápida acessibilidade e mobilidade. Fantástico, se o novo não apresentasse tantos defeitos. Até iniciar a troca do outro, na fase de ajuste – assim como durante a primeira troca –, utilizava-se o que estava em operação. Foram várias chamadas emergenciais para a assistência técnica.

Até que, com a segunda unidade paralisada, começou o martírio dos moradores. São 46 unidades, em 15 andares – contando a garagem – com quatro apartamentos em cada nível. Daí, começou o sofrimento, e no grupo do condomínio, o aviso: “elevador parado em manutenção”. Ajusta-se o horário de voltar para casa, aguardando a solução. E vinha sendo assim, mas numa noite dessas, o elevador parou por volta das 15:30 e voltou a operar às 17:30. Logo depois, outra pane, sendo liberado em exatos 40 minutos (das 19h às 19h40). Informado pelo WhatsApp, fui rápido antes que desse outro problema. Cheguei tarde e tive de conviver com a terceira pane e a irresponsabilidade da prestadora de serviços.

Em síntese, ou eu subia os 14 andares a pé – situação que já havia feito dias antes e que me deixou exausto – ou aguardava o trabalho do despreocupado assistente técnico. Cheguei em torno das 20h. Lá fiquei, até que, às 22h10, o infeliz disse que havia vencido seu horário de plantão, que iria embora e que aguardássemos outro técnico. Não demorou para o novo responsável chegar e resolver o problema. Não fosse, a meu ver, a infeliz manifestação ao assumir a missão: “Isso é assim mesmo.” Ah! O primeiro foi embora e levou a chave da casa de máquinas, então tivemos ainda que esperar ser notificado e retornar. É justo e normal uma obra dessas ser tratada com tanto desdém pela prestadora e seus funcionários?

Em tempo: Enquanto redigia e editava essa postagem, li que ontem à tarde o elevador também esteve parado. Foram lá analisar e buscar uma solução. Felizmente, cheguei depois dessa enésima vez que ficamos sem serviço. Quanta incompetência! Foi enviado um texto, que após lido, apura ter sido sugerido “a instalação de um sistema para auxiliar o acompanhamento corretivo e preditivo dos sistemas”. Bonito, isso, né? Através de um vídeo institucional, vai consertar o problema antes dele acontecer. Queria um desse para minha saúde. Evitar subir ou descer 14 andares, como já fiz em função dessa situação. Ao que entendi, algo que já deveria ter sido pensado nas duas “modernizações”.  O tênis que perdi não é nada perto desse transtorno. Tudo bem. Tá Ká Entre nós, como diz lá na minha terra, is not mole não!

Blogueiro

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  • Eduardo bom dia, como sempre, ótima abordagem. Eduardo junto a isso, considero que estamos vivendo um momento, ímpar no que se diz respeito aos prestadores de serviço de um modo geral,em todos os segmentos, norteia a intolerância e a impaciência e as más vontade prevalecem.abracos

  • Estamos há uma semana sem elevador. Diz a assistência técnica que a peça vem de fábrica e só tem transporte 2 vezes na semana. Juiz de Fora- São Paulo tem transporte todos os dias! É o mal atendimento da vida moderna.

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