René Magritte - Trago seu amor em 3 dias

Trago seu amor em 3 dias

Victória Farias

“Não permita que a gravidade te deixe para baixo. Você é uma estrela em ascensão. Bata nos meteoros. Descubra novos planetas. Saia daqui agora.”
Autor Desconhecido

O ar abafado da loja de esquina não me deixava respirar direito. Com uma péssima percepção dos acontecimentos à minha volta, nunca havia reparado naquele estabelecimento na Rua Pernambuco, esquina com Inconfidentes. Era um lugar acanhado, colorido em tons de púrpura e vermelho sangue(?). Não sabia dizer ao certo. O aroma dos incensos me privava dos sentidos.

Estava dormindo acordada, sentada em volta de uma mesa coberta por panos dos mais nobres tecidos. Isso eu sabia reconhecer, os tecidos. Passava os dedos por eles pensando se era uma boa ideia continuar com aquilo. Foi uma indicação de uma amiga, que soubera por uma conhecida, que uma colega conseguiu seu amor de volta em três dias.

Comentavam que a mulher de olhos profundos e mãos sempre cobertas, que se sentava do outro lado da mesa e dizia palavras certeiras, era exatamente o que eu precisava na minha vida amorosa.

Eu não acreditava.

Já havia tentado coisas do tipo antes, quando o amor me apareceu de cabelos curtos. Nada aconteceu, ela se foi, e desde então só ouço falar dela por terceiros. Já estava esperando há um tempo indeterminado, não sabia precisar. O sol não se fazia adentrar na sala que tinha as janelas pintadas.

Quando um real pensamento sobre aquela tinta começou a se formar na minha cabeça, uma figura abstrata, meio mulher, meio monumento, cruzou a sala e roubou meu ar por um milésimo de segundo. Não sabia precisar sua beleza, pois não conhecia sua forma. As velas que acendeu depois de se sentar do outro lado da mesa só conseguiam me dar vislumbres dos seus olhos castanhos, e acredito que, para ela, se dar pela metade era o suficiente.

– O que você procura? – A pergunta veio em alto e bom tom. Limpa, sem os barulhos dos carros lá fora. A fumaça ainda tomava conta do meu organismo, se prendendo e sendo processada pelos pulmões.

– Ouvi dizer que você traz o amor de uma pessoa em três dias. Se for assim, gostaria de uma ajuda para…

– Trago cigarros também, mas nem um nem outro fazem bem à saúde – fui interrompida.

Pensei nos cigarros que também tragava e nas crises incessantes de tosse depois dessa ação suicida.

– Mas sobre seu amor – a voz prosseguiu, mesmo tendo certeza de que a boca não se mexia – você precisa realizar algumas tarefas antes. Pode parecer, mas não são tão fáceis assim.

Eu que o diga. A loja de esquina, com a placa “Trago seu amor em 3 dias” pendurada em meia corrente, tinha até me convencido de que a peripécia de domar o sentimento era possível. Mas não menos difícil.

– Você só precisa dar três pulinhos; encontrar cinco pedras preciosas e me trazer; fazer todo o percurso planeta Terra-Lua, ida e volta; ouvi dizer que é um trajeto plano, você não vai encontrar dificuldades, nem morros; soletrar o alfabeto chinês de trás para frente e, por último, discar o número da pessoa amada e se declarar.

A palavra “perdão” dançava entre os meus dentes sensíveis, mas não ousava continuar.

– Eu sei, parece impossível, as pedras preciosas não estão a solta por aí. Mas eu estarei te supervisionando durante todo o processo.

– Pedras preciosas? – Gaguejei.

– Seria a travessia Terra-Lua? É super tranquilo, ouvi dizer que tem gente que foi e voltou em dois dias, isso não é problema.

– Mas a Lua…

– O chinês? Então, tem um professor sensacional do outro lado da rua, super recomendo.

Ela parecia empolgada. Por que ela estava empolgada? Ela estava falando sério? O que estava acontecendo? Por que raios ela estava empolgada?

– Não, não é sobre o chinês – insisto – perdão – finalmente – mas acho que estou um pouco perdida. Posso não ter me expressado direito. Me disseram que você…

– Não me peça perdão, você não pecou, ainda. E eu sei o que te disseram, cada palavra. Mas o que importa aqui é o que eu estou te dizendo. Continuando, sobre o telefone da pessoa amada…

Ela sentiu o nervosismo correr pela minha espinha e morrer nos meus lábios. Sentiu como uma criança sente uma picada de abelha. Mas, ao contrário da criança, parecia se divertir com isso.

– Você está disposta a aprender mandarim apenas para não demonstrar o seu sentimento? Eu nem vou falar dos três pulinhos. Não é amor que você procura, é coragem. E isso você encontra no bar da outra esquina, depois das 18h, com música ao vivo e rodada dupla.

Tomei os segundos entre a escolha de ir embora e aceitar a oferta mirabolante para reparar na figura à minha frente. De luvas, mesmo com um calor de 40º graus assolando Belo Horizonte, ela parecia confortável. Sem motivo algum, cortava cartas continuamente. Mexia os braços e o pescoço levemente, como o movimento pede. A respiração, mesmo quase inexistente, deixava o ambiente insuportavelmente vazio. Não parecia haver vida ali. Nem nela, nem em mim. Pela primeira vez, o flamejar da vela me permitiu conhecer seu rosto. Mal sabia que o que vi me daria pesadelos por dias a fio.

Saí.

Enquanto andava apavorada pela rua de terreno irregular, tragando meu cigarro pela metade, pensei: “Ela podia realmente trazer meu amor de volta em três dias, assim como prometido, mas aparentemente, era eu que tinha que ir buscar.”

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