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Cenas grotescas da cidade grande

Eduardo de Ávila

Diariamente deparamos com cenas que nos chocam pelas vias dessa nossa Belo Horizonte. Quando aqui cheguei, já se vão exatos 50 anos, o pavor eram os “batedores de carteira”, que, ao que nos era repassado, tinham verdadeira atração por jovens com cara denunciando ter chegado do interior. Eu me sentia um verdadeiro jeca, expressão que o politicamente correto da atualidade anda até reprimindo. Mas, a cada saída pelas ruas, percebia que era observado por todos – almofadinhas ou trombadinhas – com a minha indisfarçável cara de capiau.

Depois de tantas décadas, com essa revolução tecnológica – tanta sofisticação –, os pequenos furtos deram lugar a assaltos eletrônicos. A cada novo tempo, um novo golpe. Já tentaram me vitimizar, desde “papai, me pegaram” com voz de homem (tenho duas filhas). Recebi ligações do banco, dando conta disso e daquilo, mas meu lado caipira sempre prevaleceu sobre essa malandragem. A cada nova tentativa, uma nova irritação ao agente golpista. Acaba que me divirto, embora seja uma preocupação para todos, pois a malandragem – como anunciou Chico Buarque – usa e desfruta de “gravata e capital” e tem “retrato na coluna social”. E “nunca se dá mal”.

Paralelo a essa situação, presenciamos sistematicamente gente em verdadeiro estado de abandono, pelas famílias e pelo poder público. A foto abaixo, extraída do Facebook do amigo Aloísio Morais, denuncia a condição degradante e sem assistência de um morador de rua em Belo Horizonte. “Quem não tem companheira, dorme de conchinha com seu maior amigo”, postou. Entre os comentários, a maioria expressava dor e solidariedade ao infortunado. Paulinho Saturnino, por seu lado, comentou: “essa cena linda e horrorosa pode ser tudo, menos bionatural, como ali se enuncia”. Aloísio e Paulinho, dois jornalistas decentes e da velha guarda, que mantêm a sensibilidade dos bons tempos de redação. Hoje o jornalismo se alimenta de fake news em defesa do capitalismo selvagem.

Sem enveredar pela situação desumana de centenas de milhares de moradores de rua, espalhados por toda a capital mineira, presenciamos cenas do cotidiano tão tristes e dramáticas quanto os rumos que estão nos condenando. Tempos atrás, resumia sob o viaduto da Floresta. Tampouco, tenho evitado o debate e embate no campo político-ideológico das causas dessas consequências que vivenciamos. Ontem, depois de ouvir barbáries sobre o atentado ao candidato Trump – tem quem comemore aquela insanidade como trunfo eleitoral nas eleições americanas e consequência nas nossas daqui a dois anos –, senti de perto a falta de políticas públicas de interesse coletivo.

Próximo à praça da Liberdade, exatamente no cruzamento da Sergipe com a Brasil, uma pessoa da minha faixa etária amparava uma senhora quase desfalecendo. Essa primeira pessoa me pediu ajuda e lá ficamos por algo em torno de uma hora, aguardando socorro do SAMU e algum familiar, depois de muita insistência nossa para que ela nos desse nome de parente e telefone. Coitada! Carregava duas pesadas bolsas, segundo ela, para inventário de seu recém-falecido marido. Alternava momentos de lucidez e outros de distanciamento. Assim que o socorro chegou, a pressão medida era de 24/11, com sinais – segundo o socorrista – de um possível AVC. Depois, já mais à noite, uma familiar me ligou dando conta de que a mesma permaneceu internada para apuração e exames.

Fui deitar impressionado com todo esse quadro social que vivemos. A falta de empatia de poucos que têm muito, com a situação quase sub-humana de muitos que pouco ou quase nada possuem. Triste! Me volta com muita ênfase a tristeza em perceber tanta falta de solidariedade e até mesmo desinteresse do poder público com questões básicas de interesse coletivo. Educação, segurança, cultura, saúde e tudo que envolve justiça social. Acordei cedinho, pois a primeira coisa que me veio à cabeça foi lembrar daquela vulnerável senhora que saiu de casa disposta a se mostrar produtiva e desceu de um ônibus sem saber ao certo onde estava. Tristes cenas de um lugar com horizonte belo.

*fotos: 1) UAI/EM; 2) Aloísio Morais

Blogueiro

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  • No século 21, infelizmente a falta de empatia está presente em quase todos os lugares. Viver e conviver neste nosso país requer coragem. O importante é fazer nossa parte, para a construção de uma sociedade humanista. Parabéns pelo texto. Foi ótimo para refletir.

  • Caro Eduardo, é o mundo em que estamos. E esse mundo está doente. Gentileza e delicadeza estão em extinção. Polarização bloqueia ouvir e quem dirá raciocinar. O mundo vai mal, muito mal. Há uma necessidade de se implantar duas coisas a meu ver: no lugar da polarização, que cada um pense que a melhor solução se dá através de um "em que posso ajudar para juntos chegarmos a um lugar que seja bom para mim, para você e para todos?". E a outra é o conselho que recebi do Ives Gandra - pai, como já lhe falei: "combata a ideia, não a pessoa"; "tenho amigos adversários, não inimigos." Grande abraço.

  • Opa!Boa tarde.
    Caro! Tema muito relevante com sempre,mas,sabe qual cena grotesca de qqr cidade ,seja grande, média ou pequena!?
    São os "invisíveis"_ formiguinhas, catadores/as de recicláveis, porteiros,atendentes, etc...! Estes ñ necessitam de políticas públicas,é falta de educação para com eles mesmo! Por isso digo,o ser "umano" deu errado, muito errado. Espero q a sra esteja bem,já o amigo; coração gigantesco. Falta isso na maioria da população.
    Abs.
    Sigamos!

  • Excelente e necessário texto ! Destacar o “invisível” da paisagem urbana é o mínimo que um humanista precisa fazer. É questão urgente tratá-los como cidadãos, a começar individualizando-os e os respeitando. Ao mesmo tempo, é imprescindível cobrar e apoiar políticas públicas específicas para eles.

  • Excelente e necessário texto!
    Destacar os “invisíveis” da paisagem urbana é o mínimo que precisamos fazer. É questão urgente tratá-los como cidadãos, começando por individualiza-los e tratá-los com compaixão. Imprescindível é cobrar e apoiar as políticas públicas específicas para eles.

  • Seu texto me fez lembrar de um amigo nosso aqui da minha terra natal que foi para a cidade grande, nossa querida capital BH para viver nas ruas. Deixando pra trás um lindo casal de filhos e uma esposa. Tristes tempos em que estamos vivendo caros amigos e amigas.

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