Cachaça alemã

Mário Sérgio

“Seu garçom faça o favor de me trazer depressa…” pedido feito pelo genial Noel Rosa em parceria com Vadico, na deliciosa Conversa de Botequim/1935. Uso essa relação com os respeitáveis profissionais dos bares para compartilhar uma experiência de juventude cheia de paixões.

Em 1979, quando Chico Buarque e Tom Jobim lançavam A Turma do Funil, marchinha gostosa da qual muitos só conhecem o refrão, a paixão me dominava.

A moça era linda, uma mulher “por trás dos óculos” – parafraseando Vinícius -, com seus cabelos castanhos claros, um sorriso iluminado e gentil. Minha juventude inquieta, de voz grave e cabelos muito escuros, se arrogava um ar de seriedade em sua presença, ampliada pela sobrancelha espessa sobre olhos verde musgo. Mas era apenas aparência. Na verdade, me assolava sempre a insegurança quando aqueles belos olhos claros se perdiam dos meus numa busca indefinida, entre sonhos ou, talvez pior, certezas.

Quem sabe pudesse impressioná-la com mimos, palavras escolhidas, promessas de devaneios por sucessos grandiosos…

Com o melhor sorriso e o olhar mais convicto, o convite para “aquele restaurante ali, na subida da rua da Bahia” pareceu uma opção interessante. E apenas o fato de ela aceitar já fez o coração disparar.

O que mais fazer para tornar o fim de tarde memorável?

Apesar de não ser adepto ao álcool, tinha ouvido falar de uma bebida em voga. Chegamos cedo, de mãos dadas, para minha alegria; e o único transtorno, foi o aparelho ortopédico insistir em travar no instante de nos sentarmos. Pequeno constrangimento. Já me acostumara.

— Para ela, um suco de laranja e, para mim um stranreiger, por favor.

— O que, senhor? Eu não entendi…

— Um stranreiger.

Respondi já percebendo a má intenção do rapaz.

O rosto afogueava, a paciência foi à toalete, meus olhos fugiam envergonhados dos dela e o sujeito me encarava questionador enquanto os últimos resquícios de controle teimavam em tentar me abandonar.

— A cachaça alemã, você conhece?

— Ah! Sim. Steinhaeger. E para comer?

Quando Reginaldo Rossi, em 1987, lançou Garçom, já era tarde demais.

4 comentários sobre “Cachaça alemã

  1. Sem palavras pra descrever tanta alegria e descontração! Parabéns, Mário! Qualquer elogio agora seria pequeno diante deste texto maravilhooosooo!!

  2. O que me encanta nos textos do Mário, é que você consegue incorporar na história dele e cria uma memória afetiva de forma que parece que nós vivemos o que ele conta, além de ser muito comico.

  3. Delícia de ler e se sentir parte do cenário. Verdade, parece que estamos ali pertinho.
    Obrigada Mário Sérgio!

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