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O fantasma do condomínio

No caminho para a minha casa, há um longo trecho cercado por terrenos vazios. As lâmpadas dos postes ali instalados estão queimadas há vários meses. Durante a noite, o breu é total. Ao aproximar-me desse pedaço da estrada, vindo de carro, sempre ligo o farol alto. Eventualmente, pode haver algum bicho, um cão ou um gato perdido, que eu não gostaria de atropelar. 

Jamais vi nenhum animal por ali, mas não é raro identificar um homem fazendo caminhada às margens da rua. Por acaso, sempre nessa parte do trajeto.

Aparenta ser um senhor de certa idade e costuma usar roupas escuras. Nunca vi o seu rosto porque todas as vezes que o encontrei, ele andava, metros à frente, na mesma direção que eu.

Já tive vontade de parar o carro e sugerir-lhe que usasse trajes mais visíveis. Ou aqueles com refletores, fossem no tênis, no boné ou na camisa. Se alguém estiver dirigindo mais rapidamente, pode não enxergá-lo a tempo de evitar uma colisão. Questão de segurança. 

Ele geralmente caminha do lado esquerdo da via, então seria fácil. Bastaria diminuir a velocidade, baixar o vidro e chamá-lo.

Um dia, por volta das dez da noite, voltava de uma festa de aniversário com meus filhos. Havia chovido bastante e estava sem luz em todo o bairro. O caminho estava bastante escuro. A única iluminação presente era o farol do carro. Subitamente, após uma curva, a luz mostrou as costas do homem caminhando um pouco à frente. Mais uma vez, de camiseta e calça escuras. Dava para ver seus cabelos grisalhos sob um boné preto. Fora isso, estava completamente camuflado na escuridão. Reduzi a velocidade para falar com ele e alertá-lo sobre a necessidade de portar consigo algum tipo de sinalizador. 

Nesta hora, meu filho mais novo teve um sobressalto no banco de trás. Virei-me rapidamente para ver o que era. Era nada, apenas um susto. Voltei-me à frente para enfim abordar o homem.

Mas ele não estava mais ali. Achei que pudesse tê-lo perdido de vista e aumentei o farol. Nada. Olhei ao redor. Nada também. Não havia nenhuma casa próxima onde ele pudesse ter entrado. Nenhum outro veículo estacionado. Nada que indicasse um mundo humano por perto. Somente trevas e mato. Quis chamar através da janela: “Moço!”, mas fiquei com medo. Ele havia mesmo desaparecido.

 

Tais Civitarese

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