“A nossa paisagem vai se apagando”, disse dias atrás a querida e sensível Mirian Chrytus, num grupo de amigos que dividimos nossas emoções diárias dessa fase que a vida nos habilitou. Afinal, muito mais que a idade comprovar que fomos jovens que demos certos, a condição de sessentões, setentões, permite afirmar que nosso comportamento – ao longo dos tempos – possibilitou o envelhecimento lento. E dessa maneira vamos seguindo!
Tão logo a Mirian postou essa frase, que encerrava uma maravilhosa reflexão sobre a rotina em perder amigos dos nossos tempos, entrei num interessante e delicioso transe. Trouxe imediatamente lembranças de perdas recentes e antigas de pessoas que a vida me presenteou e amei intensa e imensamente. Desde a infância, adolescência, fase adulta; entre parentes, amigos e parceiros de vida profissional e afetiva. Enumerei dezenas, recontando passam de uma centena, de gente que dividiu o dia a dia tão próximo dos meus 66 – a caminho dos 70 – anos de vida. E bem vividos!
Tinha um tempo que não passava o Natal com minha irmandade. Entre esses, consequentemente, sobrinhos e também sobrinhos netos. Seguramente, motivados ou sensibilizados, por uma perda recente juntamos e reencontramos parte da família. Algo em torno de vinte e poucas pessoas, número infinitamente menor dos tempos já vividos por décadas que são apenas boas lembranças. Ocasião que, após a ceia, eu ia logo dormir para deixar o bom velhinho passar no meu quarto. Éramos papai, mamãe, irmandade e algum namorado que rondava nossa casa.
Eram cinco jovens e prendadas irmãs, paparicado em casa, não perdoava marmanjo rodeando as meninas. Sem presente não entra! Naquele tempo, ainda duas tias, Aída e Aparecida, com maridos e filhos participavam do banquete. A farra no quintal era um lindo conto de fadas.
Com o tempo foi mudando a paisagem. Tia Aída, tio Orlando (meus padrinhos) e filhos se mudaram de Araxá, tempos depois tia Aparecida virou estrela. Papai também, antes dele o primeiro cunhado, mas chegavam os sobrinhos. E, pouco a pouco, o cenário foi sendo alterado com perdas e ganhos. Uns subiam e outros eram agregados ao palco dessa nossa fantasia. Até que a ausência da mamãe, parecendo determinar o fim dessa magia, encontrou numa das irmãs – Margarida – força de resistência.
Aí, eis que papai do céu, que já tinha levado o Fausto (irmão), resolve acrescer a presença da nossa família na espiritualidade com a nossa própria flor Margarida. Com a recente perda de mais um cunhado – Sebastião -, que se juntou a outros três que o antecederam – Fausto (xará do mano), Luiz e Fernando -, fiz um balanço. Constatei que dos 17, oito já tinham mudado de plano e nove resistem (entre irmandade e cunhadio), somados e compensados por dezenas de sobrinhos e sobrinhos netos.
Foi um Natal diferente. Nos primeiros eu dormia cedo para esperar o Papai Noel, atualmente, assumindo o papel e personagem do bom velhinho, estimulo a fantasia da criançada. Entre esses pequenos, deliciosamente, aprecio as diferentes reações. Dos pequerruchos que assustam, mas imediatamente apreciam a barba e a roupa daquela fantasia. Outros incrédulos, na pré-adolescência, mas que respeitam a viagem dos pequenos. E assim vou vivendo cada Natal, esse último – entre alegrias e dores – cumprindo a missão de manter acesa a ideia nas cabecinhas ingênuas que meu trenó estacionou no teto da casa e vai percorrer o mundo todo naquela única noite.
Vou resistir, enquanto força e discernimento tiver, por não deixar apagar a paisagem natalina entre as criancinhas. Me fez muito bem no meu momento e me faz melhor agora na outra ponta. E nesse Natal, depois de algum tempo, poder reunir e papear sobre nossa infância e os tempos que dividimos cama, quarto, sonhos, fosse na fazenda ou mesmo na pequena Araxá – que tinha 15/20 mil habitantes e hoje passa dos 120 mil moradores. Éramos oito, depois reduzidos a sete, atualmente seis irmãos. Tomara que fique assim por muitos e muitos anos e natais próximos. Que assim seja!
*fotos: arquivo pessoal
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Meu querido contemporáneo, Fidel. Na nossa idade as perdas são muitas e irreparáveis. Os ganhos - netos, sobrinhos netos, genros, noras ... - nos alentam. É inexorável. E nem por isso suave.
Feliz Natal, Eduardo. Sempre bom ler seus artigos. Fiquemos com as boas lemnbranças dos que se foram e vivamos com os presentes.
Desejo um ano novo próspero e com muitos bons encontros. Grande Avbraço!
De todas as mudanças no passar dos anos, a que mais me chocou foi a seguinte:
-Vovó, você não precisa sair pra comprar presente pra mim. Pode ficar em casa descansando, porque eu já tenho cartão de banco. Aí você faz um pix pra mim tá vó.
...decepção. Então pra que vou fazer árvore de Natal? Então não vou ter mais que esperar ninguém dormir.
...Natal chato?...não sei...
Especialmente cativante!