Longe de ter pretensão em posar de conselheiro ou exemplo, vou comentar sobre meus tempos de abuso com a bebida. Como a maioria dos jovens, dei meus primeiros goles (dizíamos tomar um golo) ainda na pré adolescência. Foi mágico, pois – acreditem se quiser – eu era extremamente tímido. Me deixava bem e até liberado para dar uns namoricos. Não fosse a cervejinha, não sei como teria destravado.
Superei, a timidez nessa ocasião e o abuso cervejeiro tem pouco mais de 20 anos. Desde 2001 nenhuma gota mais. Com o tempo, como me soltei, até admito que abuso da irreverência. Sem, entretanto, agredir ou prejudicar quem quer que seja.
Pois bem, falo disso por duas razões que me saltaram aos olhos recentemente. Antes uma curta consideração. Experimentei todas as fases do consumo de álcool. No primeiro momento te dá uma impressão e é real de relaxamento. Daí vai aumentando o consumo e o organismo aceitando e tolerando.
Cria-se o hábito e aumenta a quantidade no consumo, quando começa a dar sinais de dependência e sintomas preocupantes. Vem a seguir as consequências, sempre danosas, que obrigam a tratamento sem negligenciar para superar o vício instalado.
Quando chega nessa fase, que sinto ter batido à minha porta, a dificuldade é ainda maior para abandonar o consumo. Tive a felicidade em entender a necessidade de tomar essa atitude radical. Algumas pessoas amigas e profissionais da saúde foram determinantes.
Destacaria entre todos um primo médico, Jaime, que soube conversar comigo e me induzir a entender a necessidade de abandonar imediatamente o consumo. Ah! Mas era só cerveja, eu sempre dizia, ocorre que eram de 10 a 15 garrafas de 600 ml – toda noite – por tempos. Venci! Tenho muito orgulho disso. Minha filha, sem perceber, foi razão e motivação maior naquele momento.
Pois bem, dito isso, vou ao que me motivou por abrir essa particularidade da minha história de vida. Já, por algumas vezes, fui convidado a falar sobre essa vitória em programas de rádio e televisão. Sempre evitei, desde os primeiros dias, segurava por receio. E se eu tivesse uma recaída? Outra coisa. Preocupação com interpretações como pieguice, pedantismo ou mesmo arrogância. Mineiro desconfiado, temor mesmo de ser confundido em querer ser exemplo a outras pessoas.
Enfim, nunca neguei em falar sobre isso, mas selecionava onde e com quem tratar desse assunto. Já se vão mais de 22 anos e não sinto a menor falta. Ao contrário, tenho convicção que estou até hoje produtivo – e mesmo vivo – foi graças a essa decisão. Ah! Cigarro, que eram dois maços por dia, antes mesmo também cortei. Desde 1994. Quase 30 anos.
Mas o que me estimula hoje em compartilhar esse tema foram duas situações recentes. Na primeira ter assistido e na segunda quase vítima. Não deixei de, ainda que eventualmente, frequentar bares. Ia todo dia em dois ou três, agora talvez o mesmo número por ano. Cafeteria é minha praia em Belo Horizonte. Meu lugar preferido. Numa mesa ao lado, um jovem casal e uma criança – creio que entre um a dois anos – pediram sua cervejinha e suco ou refrigerante para esse filho.
Sem que o inocente pedisse ou manifestasse desejo, o pai – de tempo em tempo – molhava a chupeta no copo de cerveja e colocava na boca do filho. Chocado e assustado, talvez até covardemente pois era caso de um escândalo, fui embora para casa e a cena nunca me sai da cabeça. Coitadinho daquele – ainda bebê – pelo pai que Deus lhe colocou no caminho.
A outra cena aconteceu num ambiente festivo. Como disse no início, a timidez vencida lá atrás deu lugar a um agora já quase ancião que brinca com todos ao redor. E, com a cara ingênua que devo ter, ouvi um agente ameaçador dizer. “Estou só esperando essa cerveja que tô tomando dar um grau pra por fogo na sua barba”. Acreditei que era uma infeliz brincadeira e dei uma resposta no mesmo e inadequado nível (ainda que no tom de gozação), foi quando percebi que era mesmo intenção do sujeito.
Chocado, me afastei, e por dias fui lentamente entendendo a motivação. Minhas opções e meu jeito de ser que incomoda gente que tem valores diferentes. Se é que sabe pensar! Até realização de vida, pois levanto cedo – já quase com meus 66 anos – para trabalhar. Não me sustento por herança ou mesada. É assim que se comportam e vitimizam pessoas pelas ruas das cidades. Colocam fogo em andarilho, surram gays e mulheres, estupro coletivo, feminicídio e muta coisa. Costumam ser idolatrados e motivo de orgulho em família.
Possivelmente, essa criança com mais de 30 anos, foi vítima na primeira infância e teve sua chupeta molhada num copo de bebida. Ainda estou guardando minhas apurações e conclusões que não foram difíceis de entendimento. Incontestável é o fato de a pessoa ingerir a bebida para fazer algo que sua vontade manifesta. Triste caminho! Enquanto faço esse relato, ouço do meu inconsciente a voz de John Lennon cantando “Imagine”.
*imagens: freepik
Fantástico!!!
Um dos melhores textos seus que li. E melhor ainda, porque entendi perfeitamente tudo!!!
Sim, texto muito bom!
Adorei!
Triste como os homens em sua maioria não se permitem recalcular a rota seja lá qual for o motivo.
Gostei muito do tom, Eduardo. Era sobre ódio, mas gostei de vc ter conseguido até humanizar o cara e as dificuldades dele. Você é muito especial, meu amigo.
Ótimo texto! E não se deixe abalar por esses idiotas e criminosos, que infelizmente estão no caminho.
Parabéns, Eduardo. E obrigada por compartilhar. Abraço.
Brilhante texto, Eduardo. Como sempre!