Memória afetiva em xeque

Luciana Sampaio Moreira

No último final de semana, minha família foi almoçar no Café Palhares. Tradicional ponto de encontro, a estabelecimento completa 85 anos de atividades este ano. Continua no mesmo endereço, na Rua Tupinambás, 638, no centrão de Belo Horizonte. Não tem filiais ou sistemas de franquia. Comida deliciosa, excelente atendimento e preço compatível com o que oferece, principalmente no prato principal, o famoso KAOL, que ganhou novos ingredientes além dos tradicionais cachaça, arroz, ovo e linguiça. O prato sai por R$ 29,90.

Enquanto estive lá, observei pessoas de diferentes gerações. Desde idosos até adolescentes e crianças que, levados pelos pais, foram conhecer uma comida que pode ter uma receita que soube se preservar como um dos gostos da capital. No balcão, as pessoas degustam o prato da casa e, ao final, não demoram porque tem sempre uma fila de espera lá fora. Um exercício de democracia da melhor qualidade…

Na terceira geração da família, o negócio Café Palhares é um sucesso. E a receita para tudo isso é se reinventar continuamente. A partir de 2013, passaram a participar do Comida de Buteco, ganharam premiações e se mantiveram no radar dos clientes. Afinal, o público da região central de Belo Horizonte mudou demais desde 1938 e, com ele, também aquele que foi o primeiro e mais importante centro comercial e financeiro da capital mineira.

Atento aos detalhes e de olho nos clientes, o filho do fundador, João Lucio, conta que apesar de ter estudado Economia e Direito, está no negócio da família há 53 anos. Pegou gosto e decidiu ficar. Mas ele observa, como eu também, nas minhas idas à região central, que a memória da cidade em que nasci precisa ser tratada com mais carinho. Afinal, certas tradições de um lugar não podem simplesmente morrer.

A região central de Belo Horizonte é bonita. Os prédios, a arquitetura, as janelas… Eu sempre descubro uma coisa nova! Mas aquilo tudo ali parece não ter mais vida. O cheiro de urina chega a ser insuportável em alguns locais e, como se não bastasse, quando as portas do comércio se fecham, tudo simplesmente acaba.

Mas o Café Palhares resiste com uma receita de sucesso que merece ser estudada. Afinal, estar no mesmo ponto há 85 anos, e mais que isso, manter-se sustentável em uma área onde falta total atenção da administração pública é para poucos. E olha que a sede do executivo municipal fica na região… E se não ficasse?

Belo Horizonte já saiu do seu traçado original e continua crescendo. Isso é sempre bom. Mas a tradição pede ajuda naquele centro que precisa com urgência de um projeto de revitalização social e econômico. Ali não tem apenas o Café Palhares! Há outras nuances da cultura que precisam ser preservadas para as próximas gerações, porque o sentimento de pertencimento é o que faz as pessoas contribuírem, de forma voluntária, para que o local onde vivem esteja cada vez melhor.

Quando os políticos da cidade se dispuserem a andar pela área, com certeza terão boas ideias para valorizar a capital e – talvez – possam deixar de lado os títulos de cidadão honorário concedidos a pessoas de idoneidade duvidosa e as mudanças de nomes de ruas. Fica a dica!

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