Todos os dias na minha cama

Silvia Ribeiro

Quando te vi uma estranheza tomou conta dos meus pensamentos.

De onde vinha aquela fascinação farejando o meu cio?

Uma fêmea com uma sutileza tresloucada abrindo vergões nos meus desejos e os tornando cada vez mais astutos e disponíveis, sem pensar na rotina e nem nas paixões que ficaram fora de moda. Uma coleção de esperança capaz de dar trégua ao que parecia não ter cor, e um chamado que trazia gargalhadas pra dentro da minha caixinha de boas-vindas antes mesmo de me dizer uma palavra.

Diante daquela aparição eu permanecia como se no mundo não houvesse mais pessoas assim, e me lembrei de tantas faces que deixaram de existir, de tantas inspirações que envelheceram, de tantas emoções que perderam o lugar, e de tantas promessas que deixaram de respirar. E talvez essa fosse a missão daquele encontro.

Os meus olhos conspiravam com aquela silhueta naturalmente provocante sem precisar de perfeição, e eu tinha a sensação de estar sendo levado para um lugar encantado que só a mim era permitido. Até que me lembrei que eu não sabia dominar o meu coração, tampouco sabia habitar em casas de ambições rasas, e isso poderia explicar as estrelas que corriam de um lado pro outro sem pensar no dia seguinte.

Era uma porta aberta para as minhas urgências e para os meus êxtases, e um acaso que se rendia às minhas súplicas e afugentava a minha espera. Sem desabafar com os meus abismos sabia que havia uma intuição afiada cochichando aos meus ouvidos coisas entusiasmadas e me pedindo pra seguir em frente.

Embora fosse algo que tirava os meus pés do chão tinha um ar de que iria ficar tudo bem, no entanto eu carregava dentro de mim perguntas sem respostas. E de alguma maneira aquela loucura gostava de estar comigo e tomava forma a cada passo que eu dava sem se importar se o meu coração iria estar bem consigo mesmo ou gritaria por socorro.

Eu era só um menino que queria alcançar os seus sonhos sem precisar se proteger contra o medo, e isso me fazia lembrar as minhas pipas coloridas em tempos distantes e os meus joelhos esfolados pela ingratidão do asfalto.

Em plena rua deixei que os meus sentimentos já amadurecidos pela espera de tê-la em meus braços falassem as verdades do meu corpo sem abrigos e sem melindres, mesmo correndo o risco de ser explícito demais. Afinal de contas eu era o protagonista daqueles absurdos, e eu deveria me enfeitar para aquele episódio.

Só sei dizer que eu me sentia o último dos românticos e isso era uma delícia.

No seu colo aleguei o meu egoísmo de tê-la só pra mim e me entreguei numa vastidão de sensações inéditas como se tudo fosse a minha primeira vez, e vi naquele roteiro a possibilidade de ser quem eu quisesse com todos os estereótipos, tics, e personagens que eu gostaria de viver. E senti naquele momento o ensejo perfeito pra dizer ao meu coração o que ele estava procurando.

E quando eu me encontrei naquela realidade até então embasada, me viciei naqueles lábios quentes vivendo o drama de ser uma história longa, naquela pele de veludo precisando de tão pouco pra me acariciar, naqueles suspiros que transformava coisas banais em inesquecíveis noites de gala.

Me perdi no aroma que exalava daquele prazer fazendo com que aquela mulher se tornasse ainda mais interessante, e não pensei em me desfazer daqueles gemidos que iam se acomodando no meu suor e nem daquele sorriso ganancioso que iluminava todos os meus sentidos.

Havia uma sensualidade naquela presença delicada que excitava a minha alma e que deixava todos os meus músculos acesos como se nada além daqueles contornos houvesse importância, e secretamente tracei uma linha poética que me permitia apadrinhar um par de asas só pra que pudéssemos voar.

Voamos sem que o mundo lá fora precisasse existir, sem que o relógio avisasse que era hora de ir, sem que o cansaço diminuísse a nossa vontade, e sem pensar que aquele encontro poderia se transformar em lembranças.

Não quis mais saber de saudade e a tive todos os dias na minha cama.

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