Peter Rossi
Não tinha me dado conta, mas era manhã de domingo. O sol bate na minha porta e enche a sala, envolve a varanda.
Eita calorzinho bom! Eita abraço com o braço estendido.
Fecho os olhos e volto, volto muitos anos atrás. Também numa manhã de domingo.
Chinelos no meio do corredor, cheiro de broa quente na mesa da cozinha. Café daqueles de queimar a língua e uma manteiga só esperando prá se desmanchar de amor num pão quentinho.
Pai, mãe, a mesa, o café e o domingo. Não precisava de mais nada…
O mundo era maravilhoso, porque simplesmente era domingo. Meu pai, o mais carinhoso, afinal era domingo. Minha mãe, minha mão, dado que era domingo.
Os domingos eram assim. Tinham brilho próprio, mesmo sendo um dia qualquer. Qual o quê? Não eram mesmo, eram dias especiais.
Dias de ficar junto e ficar junto é o que melhor que tem, o melhor que se pode dar. Apenas encostar um olhar no outro e deixar o mundo ficar; ali, paradinho.
Domingo era dia de trem, de estação, de vai e vem, de pais que voltam, de filhos que vão, de mães que nunca foram, só fizeram esperar.
Domingo era dia de ler o jornal com calma, pedacinho por pedacinho. De comer biscoito de goma encharcado no café, de ver sair do forno aquele pão de queijo com forma de sol.
Domingo era dia de deitar o rosto no colo da mãe só prá sentir seus dedos passeando em volta da nossa orelha, como que desenhando o nosso rosto outra vez.
Domingo tinha refrigerante no almoço, numas garrafas pesadas e escuras. Tinha pipoca à tarde. E, que glória, tinha cinema. Tinha matinê!
Era herói pulando o tempo todo fazendo nossos corações pular também e no final aquelas letrinhas mágicas dizendo que acabou, que era hora de voltar pra casa. Tudo isso acontecia só porque o dia era dia de domingo.
A gente tinha a impressão que o sol era esperto e enganava uma lua preguiçosa que teimava em não chegar. Era uma tarde toda se debruçando a frente de nossos olhos. E como gostávamos dessas coisas tão simples, que de simples nada têm.
Volto à solidão de um domingo, mas são tempos que insistem em me dizer que se foram, embora não queira acreditar.
É incrível, mas hoje, num domingo só me lembro dos domingos que não voltam mais. É como se o que foi espelhasse a solidão do que é.
Que pena. Se pudéssemos, se conseguíssemos entender o que representam, teríamos mantido os domingos em forminhas de gelo, dentro do congelador. E, de tempos em tempos, saboreávamos, um a um.
Domingos servem prá isso mesmo, hoje tenho a noção. Servem prá nos mostrar, mesmo nas dobras do tempo, que sempre devemos nos lembrar. Que era bom, que tinha café e broa, e sóis de pão de queijo. Que tinha pai e que tinha mãe.
E lembrar não é ruim, mesmo que venha uma saudade que aperta o nosso peito e preenche nossa alma de silêncio.
Almas em silêncio, em pleno domingo. Não pode ser, não deve ser, afinal, domingos são dias de esperança, mesmo que só prá lembrar.
Ia me esquecendo, o domingo servia também prá ir na casa da vó, sentar no sofá com forrinhos de crochê, feitos com todo carinho, um a um. De receber beijo lambuzado e responder, a todo tempo, como foram as coisas na escola. Vó é prá isso mesmo, tascar beijo lambuzado e tirar do bolso do avental aquelas balas que lá ficaram, prá explodir em nossas bocas.
Esperar o domingo então, era tudo de bom! Dormir cedo, porque amanhã é domingo. Botar roupa nova, só porque era domingo. Ir no clube, nadar de boia no rio, daquelas feitas de pneu de caminhão, com aquele cheiro bom.
Domingo era dia de piquenique, de toalha estendida na grama. De guaraná em copo de plástico. Domingo era dia de nunca chorar. A gente entregava a todo momento, um sorriso prá cada um, embrulhado em papel celofane. Domingo era dia de presente, de aniversário. Domingo era dia de dar, de distribuir.
Era dia de ouvir o rádio mais alto enquanto eram abertas as janelas só prá ver o amolador de faca passar anunciando sua chegada. Domingo era dia de fruta apanhada no pé. Naquele tempo eu tinha a certeza absoluta que os pés de fruta só existiam aos domingos. Que a felicidade plena só acontecia no domingo. Nos outros dias, era tímida, esperando o primeiro domingo chegar.
Na verdade, queria contar pro meu pai como eram os domingos, com olhos de perceber detalhes, de compreender sussurros, de ouvir pensamentos. Domingos que tentei mandar de longe, num envelope, mas que os correios teimavam em não entregar.
Domingo que hoje vejo só pela fechadura do tempo, agachado com o olhar ávido a buscar aquele sol feliz que despistava a lua preguiçosa, aquele relógio que grudava os ponteiros, parece que dando uma volta prá frente e duas prá trás, para que os mansos domingos não terminassem nunca.
Acho que o domingo só existe prá nos lembrar que não devemos esquecer. Os domingos foram todos guardados numa caixinha que a gente tenta sempre mudar o nome, mas que eu prefiro chamar de saudade.
Linnnndo!!!!
Maravilhoso!!! Muita saudade, mesmo! Os domingos eram bem assim!