Peter Rossi
Marília trabalhava numa elegante loja de joias e relógios. Se esforçava para conseguir algum cliente bacana que lhe rendesse uma boa comissão.
Num dia, entretanto, após receber a notícia do falecimento do pai, foi convocada para uma reunião no escritório de um advogado, que faria a leitura do testamento. Após laudas e laudas, veio o veredito de que a fazenda seria dividida entre os filhos.
Negócio realizado, Marília recebeu a parte que lhe coube e pediu demissão do emprego. Como tinha vasto conhecimento da área, cuidou de abrir uma loja própria, num dos bairros mais famosos da capital mineira. Passou a ser concorrente de sua ex-empregadora e em melhores condições, pois seus custos eram infinitamente menores.
Mas como chegar às clientes? Marília tentou e tentou, e acabou conseguindo se infiltrar na sociedade, participando da maioria das festas do hight society de Belo Horizonte. Com isso, conheceu muitas mulheres bacanas, formadoras de opinião e, principalmente, muito ricas. Mas nem só de gente rica é formada essa pretensa nata.
Começou a vender joias para as madames, cada uma mais linda e cara que a outra. É incrível o que o instinto de competição desperta nessas pessoas. Cada uma mais emperiquitada que a outra, parecendo até uma árvore de Natal, de tanto brilho. Perdem o bom senso, mas a intenção é essa mesma … brilhar, seja a que título e sob qual pretexto for!
A coisa andava bem, Marília quase não tinha tempo de repor o estoque. Todos queriam comprar na sua mão, pois além de cobrar preços menores ainda dividia o pagamento através de cheques pré-datados. O anonimato dos cheques mantém a postura das madames nos píncaros da altivez. Ninguém saberia que pagaram a joia a perder de vista.
Nessas idas e vindas, Marília conheceu Cristina. Uma mulher dos seus cinquenta anos, porém vividos com leveza. Era bonita, atraente e muito elegante.
Cristina, após uma visita na loja, adquiriu de Marília um jogo de gargantilha e bracelete, em ouro. Coisa fina e resplandecente! Preencheu e assinou seis cheques e os entregou para Marília.
A lojista depositou o cheque da entrada e ao cabo de trinta dias, o da segunda parcela, recebendo os valores sem qualquer problema. Mas, do terceiro em diante, nenhum deles foi honrado pelo banco. A explicação oficial do estabelecimento: ausência de fundos.
Foram vários os telefonemas e visitas e nada de Cristina honrar a dívida. Sempre com desculpas e promessas, nenhuma delas cumprida.
O tempo passou e chegou o dia 28 de outubro, quando é comemorado o dia de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis.
Na capital mineira, na igreja em sua homenagem, longas filas são formadas para que os fiéis possam beijar a fita que fica junto à imagem e formular um pedido.
Marília convicta de que esta era a última alternativa, lá se foi para a igreja. Enfrentou um calor dos trópicos, numa igreja abarrotada de pessoas e uma fila desorganizada. Após quase duas horas, chegou até a imagem, e com a fita próxima aos lábios, e em voz alta pediu:
– meu santo, por favor, me ajude a receber a dívida da minha cliente!
Quando se preparava para sair, olhou para trás e viu ninguém mais, ninguém menos, que Cristina, a devedora.
– Esse santo é muito bom! Cristina, que coincidência. Por favor, minha amiga, pague o que me deve. Vim até aqui rogar a São Judas Tadeu que me ajude nessa dura empreitada.
– Eu também, Marília. Vim justamente para pedir ao santo que me ajude a ganhar algum dinheiro para que possa lhe pagar.
Marília não acreditava no que acabara de ouvir, não sabia o que responder e ao se virar, mais uma vez, só teve tempo de ver Cristina aos beijos com a fita do santo.
Meu santo padroeiro e que sou tão devota!!!Acho que ele até quer férias de mim de tantos pedidos ultimamente…kkk
São Judas Tadeu!! Sempre ouvindo os meus pedidos!! Gratidão meu Santinho!!
As ironias da vida, no divertido e ao mesmo tempo tocante e realista ,“Me ajuda, São Judas Tadeu!”