Mãe

Rosângela Maluf

Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho mais.

Tenho ainda tanto a dividir com você, tanto a compartilhar para celebrarmos e comemorarmos juntas. Tanto caso pra contar, algumas tristezas e muitas alegrias para repartir com você. Lembranças divertidas ou nem tão divertidas, mas que nos fariam rir ou chorar.

Neste curto espaço-tempo eu não morri, mas sofri muito com a sua ausência. Chorei de saudade, lamentei não ter te aproveitado ainda mais. Sabe, Mãe, não foi apenas a saudade imensa que sinto de você, nem o olhar constante em suas fotos; nem as lembranças, nem as nossas histórias, foi tudo, Mãe, tudo mesmo.

A memória afetiva é a mais intensa.

Fico me perguntando quem teve o privilégio de colo durante toda a vida. Em qualquer situação, em quaisquer momentos, o colo estava lá. Não como figura de linguagem, colo mesmo. Deitar a cabeça, receber cafuné e ouvir que “tudo passa”. Ou deitar no ombro, ter os cabelos cheios de beijos, poder contar o que estava acontecendo e ouvir: – Calma, prá tudo tem um jeito.

O seu bom humor sempre presente, Mãe, me levava a acreditar na leveza de qualquer problema. Uma vez compartilhado, dividido, contado pra alguém, qualquer desconforto já pesava muito menos, era o que você sempre dizia. O seu equilíbrio era modelo para mim. Diante de qualquer situação suas palavras me faziam mais forte: eu precisava ser igual a você. Ou pelo menos, o mais próximo que eu conseguisse ser. Uma fortaleza, uma candura, um poço de ternura, de carinho e de afeto.

Aos domingos eu era a primeira a acordar e correr pra cama deles.

Ela expulsava o meu pai para que ficássemos, nós duas, grudadinhas, abraçadinhas, debaixo daquele edredom que eu gostava tanto. Esta alegria durava até que os dois irmãos acordassem também e, assim como eu, queriam uma beirinha da cama e um espacinho naquele abraço tão gostoso.

A quantidade de beijos era imensa: me beijava porque eu estava sujinha, me beijava porque eu havia saído do banho, me beijava se eu estava triste e me beijava se eu comemorava alguma coisa. Sempre, sempre muito beijoqueira. Se não havia nada pra fazer, colo, cafuné, beijos. Era assim. Tenho motivos de sobra pra sentir muito a falta dela.

A memória olfativa é a que mais me ocupa.

Sinto saudades, Mãe, do seu cheiro de talco, do algodão molhado no Leite de Colônia (que uso até hoje). O cheiro da saída do banho, já de noitinha para que todos nós nos sentássemos à mesa para o jantar, a hora da sopa. Todos de banho tomado e você, Mãe, em seu pijaminha de flanela que tinha o mesmo cheiro bom do seu abraço.

Me lembro muito, Mãe, dos doces que você fazia! Canudinho, pé de moleque, cajuzinho e outros doces molengas pra se comer de colher. Me recordo de todos os cheiros. Sempre ligadíssima em qualquer cheiro, você dizia que eu tinha um “olfato de cachorrinho”.          .

Várias sobremesas embalavam nossa gula dos domingos.

Todos nós, loucos por um açúcar exagerado.

Podia ser arroz doce e a Mãe ficava cheirando à canela. Podia ser canjica grossa, e ela cheirando a amendoim. O pudim de leite condensado deixava-lhe um cheiro de baunilha. Só a salada de frutas + creme de leite é que não lhe acrescentava nada de especial a não ser o cheiro das próprias frutas.

O doce de mamão verde com abacaxi era indescritível!

Nunca soube de ninguém que tenha feito e pouca gente com quem comento já experimentou ou já ouviu falar. Eu amava aquele manjar dos deuses. Nunca fiz, mas em seu Caderno de Receitas havia uma receita e uma página inteira de observações: o mamão tem que ser verde, ralado, o abacaxi, só no final.

As lembranças são incontáveis.

Uma ou outra melancólica, mas a grande maioria de pura alegria. Risos aos montes. Gargalhadas por qualquer motivo.

– Por que vocês riem tanto? Perguntou pra ela uma vizinha.

– Ah, nós somos felizes demais. Olha só minhas belezuras.  Abraçava um de cada lado e outro enrolava na saia rodada, entre as pernas. A gente morria dde vergonha. Meus dois irmãos e eu, caladinhos, esperando a vizinha ir embora pra cairmos todos na risada novamente.

Pois é, Mãe, resolvi colocar no papel palavras que têm tomado conta de mim depois que você se foi.

Sou muito grata, infinitamente grata,  por ter tido por tanto tempo, uma mãe tão especial, fantástica, inigualável. Sim, mães especiais existem aos montes, mas para mim você foi única e será sempre o que mais se aproximou da perfeição.

Hoje é Dia das Mães, como se você precisasse de um dia pra você.

Todos os dias são e serão seus.

Agradeço por todas as boas lembranças que você me traz.

Hoje me recordo do ser que me tornei; com você o exemplo de justiça, de humanidade, de caridade com o próximo. O cuidado com todas as pessoas, qualquer ser humano é merecedor de respeito, a honestidade, a verdade, sempre, a compreensão. E o exemplo nos chegava ao vivo com a maneira com que, todos nós, tratávamos a empregada, a lavadeira, a verdureira, os vizinhos mais velhos. O seu exemplo, Mãe, nos arrastou, a todos nós. Onde você estiver tenho certeza de que a sua luz brilha com intensidade jamais vista por aí.

Saiba que sinto imenso orgulho de você, de ser sua filha, de ter podido conviver em grande parte dos seus 96 anos.

Sinto imensa gratidão por ter sido merecedora de uma mãe, assim …tão forte, tão corajosa, tão guerreira. Um exemplo pra várias pessoas que tiveram você ao lado delas, mas ninguém teve mais sorte do que eu: filha única foi e será sempre filha única. Amigas, companheiras, confidentes, parceiras em tudo…e assim éramos nós!

Amor, amor, amor, gratidão, gratidão, gratidão.

Um comentário sobre “Mãe

  1. Aproveito as suas doces e amorosas palavras para agradecer também à minha mãe, que partiu cedo demais. Era muito amor numa pessoa só! Saudades sem fim…

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