Estações

Minha tia tem artrose nas juntas e diz que a dor piora no frio. Há outros tipos de dores que também pioram no frio. O outono não é lá uma estação muito convidativa. Ele precede meses de pouco sol e de árvores peladas. Anoitece cedo e o ar fica seco a ponto de rachar a pele dos lábios. Meu lábio rachou e sangrou na semana passada e essa também é uma das dores do frio. Há outras, menos superficiais.

Lembro de pegar o ônibus para o colégio. Lembro de usar uma blusa de moletom cinza escrito “Hard Rock Cafe Orlando”. Lembro de não encontrar bem as palavras no caminho do ponto até a porta da escola com colegas que vieram no mesmo ônibus. Nunca gostei muito de conversar.

Lembro de chegar ao pátio imenso. Do medo que senti naquele dia. Tinham enviado uma carta anônima para a diretora. Ela foi até a nossa sala de aula tirar satisfações. Pediu para o autor da carta acusar-se imediatamente. Deveria erguer a mão, ou todos da turma pagariam. Não me lembro qual era a pena, mas a autora tinha sido eu. Por dentro, meu coração explodia. Nem minhas melhores amigas sabiam. Disfarcei e esse disfarce foi das coisas mais difíceis que já fiz na vida. O motivo da carta é que ela queria expulsar o menino de quem eu gostava da escola. Escrevi pedindo clemência. Não adiantou nada. Ainda bem que, com o tempo, meu gosto mudou bastante. Naquela época, eu gostava dos contraventores e volta e meia, caía em maus lençóis.

Isso aconteceu num tempo assim, de frio. E quando a temperatura cai, me lembro de coisas como essa. Acho que não fui muito feliz naquele outono. Ser adolescente é uma aventura por si só desgastante. A minha durou uma estação inteira. Acabou num verão chuvoso, quente e úmido, quando nasceu meu primeiro filho. Talvez tenha sido antes. Só lembro que quando me tornei adulta, fazia muito calor.

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