Peter Rossi
Quando criança, na minha casa, tinha um campinho de futebol. Uma grama rala e ao redor uma cerca toda forrada de folhas. Tinha trave de um lado só, mas isso eu não sei muito explicar. Era meio em declive, mas ninguém reclamava. Aliás, ninguém sabia dizer ao certo onde ficava o meio do campo. Acho que todo o campinho era formado de meios, na verdade inteiros.
E como corríamos nesse campinho! Todos os dias, uma bola marrom rodava de um lado pro outro. Às vezes se enfezava e voava pra rua. E lá íamos nós atrás dela e ao encontra-la, abraçávamos nossa amiga fiel.
Certo dia meu pai – também não faço a mínima ideia por qual motivo – resolveu plantar uma árvore no centro do campinho. E não era uma árvore qualquer. Logo ela cresceu e deu umas flores esquisitas, meio curvas, em tom laranja. Minha mãe me disse que o nome da árvore era “Bico de papagaio”. Abri a minha enciclopédia só pra ver a imagem de um papagaio e de seu bico e correndo fui pro meio do campinho pra comparar. E era mesmo, muito, mas muito parecida a flor com o bico da ave.
Até aí tudo tranquilo. A árvore no meio do campo não fazia qualquer sentido, mas encontramos, como crianças felizes, um jeito de dribla-la.
Mas depois de grandinha, percebi que o seu tronco era cheio de espinhos. Isso mesmo, quem esbarrasse na árvore se machucaria. O arranhão era inevitável.
Fiquei, durante longos anos, tentando entender porque o meu pai não plantou a árvore de um lado ou do outro do campinho. Porque foi plantar justamente no meio do campo, que a gente nem mesmo sabia se era o meio mesmo!
Uma maldade! Meu pai talvez quisesse mostrar pra gente que a vida sempre impõe desafios, mas daí plantar tantos espinhos juntos vai uma longa diferença.
Os anos se passaram e nós não nos intimidamos. Vez ou outra, enfrentando um drible, acabávamos por abraçar a árvore, até por instinto, buscando evitar uma queda inevitável. O resultado eram duas trilhas de furinhos na barriga, como se fosse uma mordida de um pequeno jacaré. Era o que imaginávamos.
Até hoje me pego pensando no que levou meu pai a plantar essa árvore, que ele não deixava a gente cortar. Hoje ele não está mais aqui e acabei não perguntando porque fizera aquilo.
Os anos foram se passando. A gente cresceu. O campinho continuava lá, com a árvore bico de papagaio no meio do que imaginávamos ser o centro.
Tempos depois meu pai trouxe da praia coqueiros. Cismou que iria ter em casa os cocos dos quais bebia água, no Espírito Santo.
Todo mês ele cavava ao redor dos coqueiros e colocava sal grosso, muito sal grosso, a enganar os pobres coqueiros, levando-os a pensar que estavam de frente pro mar.
Mas não deu muito certo. Os coqueiros ficaram pequeninos, anões. Nunca provamos uma gota sequer de um coco qualquer. Coco nenhum nasceu ali.
Também não sei ao certo porque meu pai inventava essas coisas. Dizia que tinha boa mão pra plantar, que isso era uma dádiva. Minha lembrança de menino, entretanto, não me traz à mente qualquer árvore que se aproveitasse. Sabia que toda árvore tinha serventia, tinha até significado, mas me penitencio até hoje por não ter ouvido qualquer explicação do meu pai do porque plantar uma árvore com espinhos no campinho de futebol da nossa casa.
Acho até que ele não teria nenhuma justificativa a nos dar. Nem mesmo ele sabia porque fez aquilo. Coisa mais estranha essa, o pai plantar uma árvore com espinhos onde os filhos mais corriam. Vai entender …
Mas isso não importa mais. Se eu nunca fiquei sabendo não é agora que saberei. Mudamos da casa, mas acho que a árvore continua no mesmo lugar, atrapalhando qualquer jogo de bola ao seu redor. Mas tudo isso é só história. Às vezes penso até que meu pai plantou essa árvore só pra gente ter uma história pra contar …
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