Rosangela Maluf

Era para mim um sentimento até então desconhecido.

Nunca antes havia me aventurado “nessas paixões” da internet e nem acreditava que fosse mesmo possível se apaixonar por alguém, à distância.

Era eu a única no grupo de amigas que não tinha um caso interessante pra contar. Sempre ria dos relatos que ouvia das amigas, e só!. Eram relatos divertidos que faziam a alegria dos nossos cafés compartilhados. Entretanto, a coragem da Manú – uma expert no assunto – acabou por incentivar, a todas nós, a que tivéssemos pelo menos um caso “jovem e moderno”. Uma boa história pra contar aos netos.

Chovia já há mais de uma semana e naquela sexta feira não foi diferente.   

Saí mais cedo do trabalho, descendo de carona com a Celinha que morava perto, no mesmo bairro. Resolvemos passar no supermercado antes de ir pra casa. Muita gente. E por ser sexta feira, a seção de vinhos estava ainda mais lotada do que em outros dias da semana. Celinha foi para o lado dos brancos e rosés e eu continuei firme procurando um Malbec, de bom preço e de bom paladar, um tinto daqueles.

Ainda na fila, tocou o celular. 

Não atendi, era um número desconhecido. 

Não tinha a menor ideia de onde poderia ser aquele prefixo, nem aquela quantidade de números.

– Tchau Celinha, bom fds para nós e que aproveitemos bem os nossos vinhos, ainda que sozinhas! risos

Cheguei em casa e abracei a rotina de sempre. 

Meia hora depois já havia guardado as compras, colocado alpiste para o Sidney & Carolina, limpado a enorme gaiola, lavado e recolocado a água. 

Guardei as compras, tudo em seus devidos lugares.

 As garrafas de vinho foram para uma pequena adega, que ficava na sala de jantar, num canto. Uma garrafa deixei na geladeira. Nada melhor do que uma taça de vinho, bem friozinho, esperando por mim no criado mudo, ao lado da minha cama. Enquanto leio, vou saboreando aquele cheiro maravilhoso e aquele gosto indescritível que só o Malbec tem!

Desliguei o celular e fui pro banho. 

Fiz um lanche rápido, coloquei um pijaminha confortável e lá fui pra cama.

O pijama era novo e me diverti olhando os passarinhos da estampa. De tão perfeitos só faltava mesmo cantar. Desliguei o Spotify, sempre ouvindo Coldplay. Guardei na gaveta da mesinha de cabeceira o relógio que fazia um irritante tic-tac . Entre os lençóis me instalei com prazer. Ajeitei os travesseiros e abri o livro. Eram quase 22h. Liguei o celular, olhei mensagens, nada de interessante.

Pouco tempo depois de retomar minha leitura, o telefone toca novamente. Eu estava certa de que não iria atender. Aí, mudei de ideia. Resolvi saber quem àquela hora ligava, pela terceira vez, para alguém desconhecido.

Foram três horas de um papo incrível: leve, descontraído como se nos conhecessemos há tempos.  

E as coincidências? Nascemos em um 15 de junho, éramos os dois, geminianos. Apenas quatro anos de diferença, eu mais velha que ele. O vinho preferido dele? Malbec, o meu preferido. Nenhum de nós fumava. Ambos loucos por academia e tínhamos a fotografia como hobby. Viajar era o que mais nos unia, ele disse. Cinema, séries e filmes na internet. Jogos no computador. Vôlei nos finais de semana. Clube, piscina quando fazia sol. Praia, calor, areia, água fria, cervejinha quando houvesse um feriado ou nas férias. Prato preferido, frango com quiabo e/ou costelinha com ora pro nobis. Mania de chicletes. De meditar para aliviar tensões. Quase uma alma gêmea.

Ele, após três casamentos não queria mais um. Eu, após dois relacionamentos de muitos anos, já havia decidido que não me casaria nunca mais. Rimos das histórias que contamos ainda que superficialmente, afinal fazia apenas uma hora que nos “encontramos”. Estávamos nos conhecendo. Pela internet, ora vejam só…

Adorávamos Beatles e Coldplay. Comida italiana? Sim. Pizza? Marguerita. Filhos? Eu um rapaz, ele uma moça. Pais vivos que ele visitava uma vez por ano quando vinha ao Brasil. Sim, era brasileiro, filho de mãe argentina e pai uruguaio, residentes no sul do Brasil. Ele morando há muitos anos na França, em Lyon. Era arquiteto, trabalhava em uma grande empresa e estava muito bem, feliz, sem nenhum grande problema. Vida tranqüila, muito tranqüila.

Resumindo: o papo de internet foi até 1h da manhã. 

E nós ali, conversando muito. 

No dia seguinte, sábado eu iria passar o final de semana no interior para visitar meus pais. 

Marcamos outro “encontro” para a segunda feira. Na terça, na quarta, na quinta e  na  sexta,  comemoramos uma semana “juntos” , meio colados um do outro – como ele dizia. 

Eu não fazia a menor ideia de que fosse possível se encantar com uma pessoa assim, de longe.

 Sem saber nada dela. 

Nunca ter sentido o cheiro. 

Nunca se ter dado as mãos.

Sem saber o perfume que ela usava.

Como seria seu abraço. 

Eu adorava abraços e ficava achando tudo tão estranho, mas fui levando. 

Do bom papo passamos para ações mais calientes, bem calientes, muito mais que calientes. Fui descobrindo outras delícias e sensações que jamais senti.

Oito meses se passaram. 

Liguei pra Manu. Contei a novidade. 

Ela se sentiu responsável pelo meu namoro que ia de vento em popa!  

Dei a ela a boa nova: estou indo morar na França. Não sei por quanto tempo, não sei se fico por lá, mas não vou deixar passar esta oportunidade de viver momentos tão especiais. Estou sendo corajosa pela primeira vez em minha vida. Você me conhece há muito tempo e sabe o quanto sou contida pra quase tudo.

Se der certo, serei eternamente grata a você por nos ter encorajado a sair da zona de conforto, de não ser uma pessoa antiga que não se arrisca, não aceita a modernidade. Se, como nos casos que ouvimos na maioria das vezes, não der certo, se for uma cilada, estrangularei o seu pescoço quando eu voltar.

Combinado então. 

Sim, claro que darei notícias.

Au revoir!

*
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