A necessidade

Taís Civitarese

A caminho do hospital onde trabalho, de vez em quando, cruzo com alguém pedindo ajuda. É comum virem algumas vans das prefeituras do interior trazer os pacientes para consultas e exames e estes passarem o dia na região hospitalar. Retornam às cidades de origem somente ao fim da tarde, quando todos os passageiros terminam seus compromissos de saúde. Às vezes, sem almoçar ou lanchar.

Algumas pessoas abordam quem passa por ali para pedir um lanche ou que se pague um almoço. Não raro, são gestantes ou estão acompanhadas por crianças.

Na última terça, aconteceu.

A caminho do ambulatório onde atendo, um senhor bastante idoso acenou para mim. Dei atenção e ele disse:

– Olá! Boa tarde! Não sou bandido. Sou um aposentado e estou precisando de ajuda.

Respondi:

– Do que o senhor precisa?

Ele falou:

– Estou com meu irmão internado na Santa Casa, aqui perto, com câncer de fígado. Está muito mal. Vim visitá-lo e preciso do dinheiro da passagem para ir embora para a minha cidade. Consegui um tanto, mas ainda falta.

Olhei para ele e vi seus olhos tristes, marejados pelo relato de uma história cheia de dificuldades. Ele me mostrou seu documento de identidade, parecia bastante frágil e humilde. Dispus-me a ajudar. Perguntei quanto faltava para pagar a passagem e completei o valor, deixando ainda uma pequena diferença para uma refeição.

O senhor me agradeceu com veemência. Disse que o irmão nunca bebera, ainda assim fora acometido por aquela doença horrível.

Solidarizei-me de que aquilo era um grande infortúnio mesmo. Desejei boa sorte e segui meu caminho.

Mais à frente, um olhador de carros que vejo toda semana por ali me abordou. Ele disse:

– Aquele senhor para quem você deu dinheiro, ele está sempre por aqui. Ele te disse que ia viajar?

Surpreendida, respondi que sim.

Ele disse:

– Pois é, conta sempre a mesma história. Fala que o irmão está doente e que tem que voltar para casa, não é verdade?

Respondi:

– Sim…

– Ele está sempre por aqui. – Prosseguiu. Vira e mexe, engana as pessoas. Agora, tem até pix. Quando for assim, não dê dinheiro. Dê um sanduíche, ou outra coisa para ele.

Pensativa, agradeci o alerta do olhador, que me contou seu nome. Fiquei pensando, com certa frustração, que fora enganada por aquele senhor. Senti aquele mal estar do engodo, em que quase sobressai a vergonha. Por outro lado, consolei-me com a conclusão de que talvez tenha sido melhor ter acreditado na sua história (totalmente verossímil naquelas circunstâncias) e ter sido enganada do que correr o risco de recusar ajuda a alguém em verdadeira necessidade.

E concluí ainda que, embora a história verdadeira daquele senhor deva ser outra, desconhecida, ele certamente padecia de necessidade…

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