Pressa?

Peter Rossi

Sempre ouvi e confesso, por longo período da minha vida, acreditei na premissa “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”.

Desculpe a assertiva: uma bobagem! Corremos atrás do tempo que nós mesmos fabricamos e assim a vida se acelera e acelerada não nos permite observar a paisagem. De que adianta ver e sempre correr? Hoje percebo que aquele que corre mal vê, quem caminha contempla. E dessa constatação nasce um outro equívoco de conduta – consumimos reações enlatadas, próprias para uso imediato, em porções individuais. Basta adquirir, congelar e em seguida aquecer no micro-ondas.

Corri minha vida inteira para entender que o melhor é andar devagar, tranquilamente. Não faço aqui apologia contrária ao exercício físico, esse é um outro tema, aqui não contemplado. Falo sobre caminhar, desfilar, permitir ao cérebro uma avaliação analítica e não sub-reptícia.

Viajei muito durante a minha vida, grande parte do mundo eu conheci. Conheci? Não tenho tanta certeza assim, a ponto de ao ver as fotos não me lembrar bem qual lugar era aquele. Estive ali? Será? Claro que estive! Ou melhor não estive. Enxerguei aquelas imagens apenas através da lente da câmera fotográfica ou do celular. Meus olhos saíram virgens dali e, por isso mesmo, órfãos daquela beleza toda.

A roupa da idade me permite adotar o novo contexto e não ganhar a impaciência dos demais. Se hoje ando devagar as pessoas respeitam, afinal o cara é sessentão. Fisicamente, sou mesmo. Mas na alma, ali desfila um adolescente, travestido em senhor de idade.

Ter essa consciência é sensacional porque, andando devagar, sem ninguém empurrando, vejo melhor o mundo à minha volta. Vejo as mulheres bonitas, mais bonitas. As cores, que sempre encantaram a minha retina. O caminho, a natureza, o céu, a lua. Tudo bem devagar, enxergado em doses homeopáticas.

Não engulo as informações de repente, ao contrário, como uma bala delícia, daquelas que só nossas avós sabiam fazer, deixo derreter na boca, sorvendo cada detalhe do sabor.

Se a gente observar, a própria natureza teima em nos ensinar que as coisas acontecem no seu tempo, desrespeitando o tempo que a gente inventou. Por qual razão um minuto são sessenta segundos? Já se perguntou sobre isso? Os cientistas saberão responder, com certeza, dentro de análises quânticas apenas. Mas não seria bem melhor que o dia durasse mil horas, mesmo durando as vinte e quatro? O problema não é o dia, é o tempo escalonado, medido com trena de areia.

Certa vez li em livros científicos que em determinados planetas os dias duram muito mais. Fiquei pensando se não seriam mais felizes os seus habitantes? Por que o tempo durar tão pouco tempo? A gente estica o calendário e prorroga a felicidade, seria bem melhor.

Nos séculos anteriores o tempo também passava mais devagar. A gente plantava e contemplava a planta nascer e frutificar. Não éramos cobrados por uma variante métrica. Hoje nem sabemos o nome da planta, no balcão do supermercado, colocamos no carrinho um pacote plástico com suas folhas, tomando o cuidado, porque em questão de dias não mais serão o que eram por causa da tal data de vencimento.

Hoje a felicidade e os bons momentos têm prazo de validade. Se não aproveitarmos em velocidade ultrassônica, elas simplesmente desaparecem. Existem aqueles que defendem que a vida deve ser assim mesmo, para que tudo aconteça. Eu não penso assim, ao contrário, avalio que dessa forma nada acontece de fato. Assistimos aos trailers pensando ter visto o filme inteiro.

Como não podia ser diferente, respeito as opiniões dos céleres, mas não acredito que a vida é uma corrida de Fórmula 1, cuja vitória e a comemoração demandam poucos segundos. Coitados, correm tanto, desafiam a física, colocam as respectivas vidas em perigo e em apenas 30 segundos erguem a taça e explodem a garrafa de champanha.

Fico aqui divagando, talvez a justificar minha baixa velocidade atual. Vai ver é isso mesmo. Que seja! Pelo menos estou arranjando justificativas para não me rebelar com relação ao estado de coisas. É saudável e salutar que seja assim. Se não posso mais correr, andar devagar é a melhor. E o mais interessante é que existe alternativa pra tudo. Sempre tive vontade de ter uma moto, mas nunca coragem. Comprei uma moto elétrica, que não anda tão rápido assim. Fiquei feliz, realizei meu sonho. Vou aproveitar e me divertir bastante, ainda que devagar, assim demora mais a acabar.

Enfim, acabo por plagiar uma canção que diz “ando devagar porque já tive pressa”. Nunca tinha atentado para a letra da música, até que passei a exercê-la. É isso mesmo, são tempos melhores, mais férteis, mais calmos. Hoje aproveito a vida em sua inteireza, afinal tudo está onde sempre esteve. Veneza continua linda, a Suiça então! E minha segunda casa – Lisboa, cada vez que vou descubro uma cidade diferente. Sempre que volto atravesso os mesmos cenários, cada vez mais devagar.

Não pretendo aqui exercer função de dono da verdade, afinal cada um tem a sua. Mas estou mais convicto que devemos deixar para amanhã o que podemos fazer amanhã. E tenho dito!

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