Peter Rossi
Minhas palavras, nesse momento, evidenciam uma verdadeira catarse. Numa mudança radical de estilo de vida, aos sessenta, fui parar numa casinha, no meio do longe, sem varanda, mas com alpendre, com quintal e uma janela, cercada de mato verde e árvores frutíferas, inclusive uma jabuticabeira chamada Jacqueline, “ja” de jabuticaba.
Mas tenho que me render a uma constatação inexorável: mudar é enfadonho e trabalhoso. Por mais que estejamos indo ao encontro de nosso sonho. O destino pode ser o melhor deles, mas chegar até lá é um parto, diria mais, uma gestação, com direito a descolamento de placenta e contrações diárias.
Nas aulas teóricas dizem os mestres que somos – nós seres humanos – resistentes às mudanças. Que precisamos sair de nossa zona de conforto e que sem um mínimo esforço nada se alcança. Os manuais e seus discursos estão absolutamente certos, somos mesmo resistentes, mudar é difícil demais, afora as perdas que sempre acontecem.
De mais a mais, os espaços, embora possam ser parecidos, jamais são iguais e é certo que alguns livros não caberão na nova estante. E o tanto de coisa que temos e não sabíamos? Amores à primeira vista, paixões fugazes que esquecemos na próxima manhã.
Quando imagino que nossos ancestrais eram nômades, percebo o quanto deviam sofrer, por mais que não possuíssem uma tralha de coisas pra carregar.
Aliás, como o passar dos anos faz nascer objetos. Sentimos a absoluta necessidade do “ter” e, a cada dia que passa, chegam pacotes e compras novas. Some-se a isso que nosso corpo com o passar dos meses se arredonda e os embrulhos não nos servem mais. Necessárias novas peças de roupas, ainda que as anteriores também sejam novas, mas a mudança de numeração exige (olha a mudança aí, mais uma vez!).
Fico a pensar se mudar é realmente necessário, como o navegar de Fernando Pessoa. Novos momentos e aspirações nos levam a pensar diferente a cada par de anos. Algumas centenas de folhas do calendário nos impulsionam a querer algo diferente e existem situações em que a montanha não vem a Maomé, temos nós que nos deslocar até ela.
Aí é um verdadeiro processo. Encaixotar, colocar plástico bolha, passar fita crepe e escrever uma legenda fora do pacote. E quando chegamos ao destino percebemos que a quantidade de caixas é tamanha que demoramos dias, semanas até organizar tudo no seu novo devido lugar.
Fato é que a gente sempre muda, sempre buscamos alguma coisa. Nossa impulsividade nos ofusca a entender que o quedar é prazeroso e nem sempre significa estagnação. Ao contrário, é resiliência pura para extrair daquele solo tudo o que pode ali germinar.
Somos péssimos agricultores de felicidade, não conseguimos entender o quão importante é a boa mão. A terra, o lugar, o pouso, eles sempre recompensam. Vemos as aves na imensidão azul sempre a voltar pro ninho, o aconchego que sua terra lhe dá.
Mudar não é bom. O próximo lugar pode até ser melhor – e invariavelmente é – um pouso mais confortável, mas o ato da mudança é espinhoso.
O que nos cabe, cheguei à conclusão, é enfrentar tais intempéries o mínimo possível. Fiquemos no aconchego, afinal a querência é infinita e o desejo de alcançar novos voos, inato. Chega uma hora que devemos aprender a lição da jabuticabeira. Ela pode até esticar um galho ou outro, a fugir da sombra e buscar respirar novos ares. Mas fica ali. Quando se derrama em sombras sobre o chão, dá mostras que melhor lugar não há! Em contrapartida, sorrindo divertida, forra o chão de jabuticabas!
Desculpem o desabafo.
Realmente mudar dá trabalho. Mas é prazeroso deslumbrar novos ares.Principalmente ter uma pé de jabuticabas por perto.