Suplica - Fonte: Pixabay

Súplica

Senhor da sabedoria, o tempo passa implacável na frente do espelho. Ele modifica minha face em instantes, me torna irreconhecível no momento em que me olho.

O tempo, dono dos ritmos, dos ciclos e das cadências. Ele que é uno, indissolúvel, eu lhe suplico. Por favor, acelere, ande rápido. Só dessa vez, venha também implacável e cure logo as dores dos corações dilacerados, que pulsam em carne viva.

Limpe e purifique as tristezas, os medos e as incertezas desse ano que só chove lágrimas. Restaure urgentemente o âmago das famílias dos cem mil que precocemente partiram, impedidos de terminar o ciclo nesta terra. Ampare todos aqueles que esperam milagres e os que se foram, impedidos de se despedir.

Senhor tempo, junte os fragmentos, cole os cacos. Ofereça as respostas que tanto precisamos. Para que tanto céu? Para que tanta noite? Para que este profundo mar de privações: de afeto, de sentido e de comida? Não compreendo essas suas mensagens que em nada me parecem familiares ou claras. 

Não seja cronológico, não respeite os ponteiros do relógio. Seja intenso, subjetivo, e liberte rápido os prisioneiros deste tempo presente.

Seja audacioso e desafie sua própria linearidade. Inverta suas dimensões e nos projete em um campo menos absurdo da existência. Nos devolva as galáxias, a beleza, o sorriso. 

Ative em mim o fio da criação. As prosas, os poemas e a música já não são mais suficientes. As palavras faltam. Seja inspiração para o parabéns de arco-íris.

Você que, intangível, é remédio para todos os males. Por favor, conteste as abstrações e nos atravesse em sua concretude. Passe por todos nós, seja catalisador das transformações necessárias. Seja cura, não importa a estação do ano.

Na sombra da crise, das perdas e do perigo, nos roube o normal, mas seja semente, transcendência. Nos devolva a capacidade de amar sem medida. Faça de novo a revolução no meu coração. 

Não nos abandone, venha nos tirar da carência, da fraqueza, da solidão. Nas contradições da vida, nos proporcione encontros que valham a existência. Nos dê sentido, ainda que provisório. Porque o permanente, sei bem que é ilusório.

Em breve, tudo isso será um rastro desbotado na linha da história. Mas, por favor, senhor tempo, observe. Tudo ao redor é pulsão de vida lutando para sobreviver. Mas, confesso ser difícil manter a vida nessas condições. Perambulamos vacilantes, nos equilibrando nos limites tênues do abismo. 

E o destino não pode ser tão esmagador assim.

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