Da ficção para a realidade

Luciana Sampaio Moreira

Quando meu pai sofreu um grave infarte em outubro de 2001, passou uma boa temporada em casa para se recuperar. Já tínhamos TV a cabo e quando eu ligava sempre tinha dois títulos disponíveis na TNT: “A Múmia” e o “Retorno da Múmia”. Ele chegava ou eu o chamava brincando: “Pai, hoje temos um filme inédito!”. E ele se dispunha a assistir mais uma vez. Sem mais o que fazer, a gente seguia o fluxo. 

O primeiro de 1999 e o segundo de 2001. Um era a continuação do outro. Só que, mais que um filme de aventura, a obra conta uma história de amor não correspondido. O vilão Imhotep (Arnold Vosloo), que acabou enterrado vivo por ter bulido com a preferida do rei, Anack Su Namun (Patricia Velásquez), retorna a vida com a ideia fixa de ressuscitar sua amada, que também pagou caro pela traição, para juntos comandarem o mundo.

Em torno desse sentimento o filme evolui e tudo acontece. Ele, com as lembranças do seu passado interrompido, usa todos os recursos sobrenaturais para alcançar o objetivo de ter a mulher para si e o poder com que tanto sonhou na vida passada, quando era o homem de confiança do monarca. Tudo lindo se ele tivesse combinado com os russos, como sugeriu Garrincha na copa de 1958. 

Ao final do primeiro filme, retorna derrotado para o mundo dos mortos. Mas ressurge novamente e reencontra sua amada que o acompanha durante toda a saga. Na cena decisiva, quando ele e o herói estão em grande perigo, o vilão tem o retorno de todo o seu investimento. A mocinha enfrenta os riscos de uma pirâmide desmoronando para salvar o seu amado enquanto a musa do vilão simplesmente foge, quando ele pede a sua ajuda. 

Decepcionado, como se a realidade tivesse aparecido rápido demais, ele se entrega à morte. O desgosto foi tanto que ele não teve forças para lutar pela própria vida. O sonho alimentado por milênios acabou em nada!

O mal é sempre assim! Busca um novo corpo para voltar a vida. Mas continua a ser o mesmo de sempre. A exemplo do que aconteceu com o tal Imhotep, há muitas pessoas movidas por estranhas paixões do passado que, se lá atrás não renderam nada de bom, não trarão ganhos agora. E como ele, correm o risco de serem abandonados do dia para a noite – se é que ainda não foram – quando pedirem socorro. Quem viver verá!

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