Certa manhã…

Sandra Belchiolina
sandra@arteyvida.com.br

Certa manhã, Maria acordou e como sempre se acomodou envolta dos seus três travesseiros que embalam seu sono – um para cabeça, outro para o aconchego do peito e outro entre as pernas conforme orientações posturais e para o bel prazer. Como sempre, rola para o lado e deixa seus pensamentos fluírem, hora para afetos, hora memorando a agenda do dia. Naquela manhã uma emoção nova…

Levantou, trocou de roupa sem pressa, pois o tempo da correria havia passado. Foi à padaria pegar o melhor pão da cidade que naquele horário, às 06h30, ainda estava quentinho. Assim que tomou o seu café colocou-se a caminhar. E sua caminhada daquele dia estava com gosto especial. Foi pela trilha da praia por onde poderia sentir o mar e a brisa de uma manhã iluminada e de bom calor. Numa paisagem onde os pescadores e pássaros compõem a moldura. 

Os pescadores ora estão tecendo suas redes, ora estão a jogá-las no mar, ora estão arrastando e recolhendo os frutos da pesca. O movimento da vida ali era coordenado pelo mar e pelo vento. Eles são as entidades no comando do ritmo da vila. Com o vento sul e mal tempo, o pescador não sai para as águas, nem o turista. Esse fica na espreita olhando para ver o que acontece, o outro, já experiente, nem se dá ao trabalho da espiagem – ele sabe ler o tempo. Maria aprendeu, nem adianta ir à peixaria e pedir peixe fresco nesses dias de vento, já escutara: “Rapaiizzz… com esse tempo, pescador sai não!”

Voltando ao prazer especial daquele dia… Naquela manhã seu destino era ver sua casinha – àquela que será beira de rio, beira de mar, como canta Maria Bethânia. Melhor falando, ver o alicerce dela, e, até aquele momento, não soubera como era difícil emocionalmente levantar uma casa do chão. Como dizem “levantar do zero”. Maria não pensava que construir uma casa mobilizasse tanto uma pessoa. Refletiu sobre: seria por uma escolha espacial? Imaginou como isso é simbólico – escolher um pedacinho de chão nessa imensidão do planeta Terra, fixar-se permanente ou temporariamente nesse espaço. E o investimento de tempo, afeto e financeiro? Então pensou que as escolhas dos sujeitos demandam muita energia.

Chegou em sua casa, naquela manhã de inverno, com uma revoada de pássaros, o galo cantando e uma brisa fresca acariciou seu rosto. As plantinhas que preparara para fazer sua cerca viva, lá estavam e encima da laje. Essa flutuava na paisagem defronte ao rio e uma casinha já se punha a caminho também.

Naquela manhã, Maria havia lido também no jornal El País o artigo de título: “Frances Arnold, de taxista a Nobel de Química: A vida é longa, você pode ter muitas vidas diferentes”. Exclamou: ufa!! Alguém que pensa igual a mim!

E nada melhor para fechar esse conto do que a música referida “Dentro do Mar Tem Rio” com Maria Bethânia:

Beira-mar
Beira-mar
Ê ê beira-mar
Cheguei agora
Ê ê beira-mar
Beira-mar beira de rio
Ê ê beira-mar

Dentro do mar tem rio…
Dentro de mim tem o quê?
Vento, raio e trovão
As águas do meu quere
r…

https://www.youtube.com/watch?v=MCz_FA4gB_Y&t=2440s

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