Amargura

Taís Civitarese

Nunca, nunca na vida tomarei café sem açúcar. Não adianta. Café, para mim, não é uma bebida extraída de um precioso grão com notas e aromas. Café é aquilo que papai fazia de manhã e já colocava açúcar direto na água que fervia no fogão. Ele passava o café e eu o tomava com leite, na xícara, antes de ir para a escola.

E toda vez que encontro papai, até hoje, ele me oferece café. E tem que ser assim, esse café antigo, adoçado. Esse café que iniciava minhas manhãs com doçura, perfumando a casa, dando sabor e energia para eu enfrentar a escola, aquele compacto resumo do que seria a vida.
Papai hoje toma café puro por causa da pressão e da glicose. No restaurante, o chique é beber sem nada e sequer me oferecem sachê algum pensando que sou sofisticada. Eu peço: quero açúcar, aquele de cana, cristal, bem cáustico. E se pudesse, pediria leite também.

“Assim você não vai sentir a doçura nativa ou o perfume achocolatado das cerejas naturais”.

Sinceramente, doçura eu conheço. Café sem açúcar é amargo pra caramba. No lugar de chocolate ou cerejas, quero apenas café, aquele da roça mesmo, que tem gosto de despertar, gosto de casa, gosto de amor, gosto de depois do almoço, de visita, de papel de filtro. Aquele que tem gosto do que se bebe com bolo, com biscoito. Com farináceos mil. Onde se molha o pão já com manteiga ou o biscoito maizena. É desse café que gosto. E também do café que era servido no posto de saúde, na sala da enfermagem, praticamente melado, com gosto de conversa, de risadas e de gentileza. Ou então daquele, gratuito, na garrafa térmica na porta do supermercado, convidativo aos clientes, um carinho assim bem bobo e necessário.

Sei que os tempos mudaram. Mas para mim, café continua sendo isso, um elo, um doce, um afeto líquido e quente. O contrário absoluto da amargura.

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3 comentários sobre “Amargura

  1. Parabéns Tais.
    Eu seu pai e sua mãe, crescemos na mesma época, numa cidade onde havia uma torrefação de café. Na região dessa torrefação, quase que nem precisava tomar café. Pois só o aroma , nos obrigava uma inspirada bem profunda com os olhos fechados e , por ali mesmo um cheiro sem açúcar , era o prazer de vários cafezinhos, enquanto caminhando íamos afastando do local e o perfume se perdendo no ar.
    Lembra Amadeu e Norma??? Santos Dumont e “nossas saudades”.
    Hoje antes de preparar meu café , tenho o trabalho de ainda ferver meu coador de flanela branquinha , para não pensar que , aquela água doce vai ultrapassar um pedaço de papel, que se transformou no filtro moderno.
    Parabéns Taís por seu tão simples texto, mas com toda verdade.
    Abraços.

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