Peter Rossi
Confesso que não sou amante supremo dos vegetais. Ressalvo as frutas para o paladar e as flores para o olhar. As árvores também me encantam, são confidentes fiéis. Quantas e quantas vezes dei de com elas a conversar sobre mágoas e felicidades incontidas. Dos demais vegetais guardo distância. Por certo existem exceções: os grãos propriamente ditos, cenoura amarela, ora-pro-nóbis, tomate, abobrinha, ervas e, principalmente, o quiabo. Se algum esqueci, que me desculpem.
Mas me vem sempre à mente o sabor do quiabo, precisamente do frango com quiabo. Que iguaria suprema! Que casal a deslizar pelo salão das nossas expectativas num ritmo alucinante, vezes como um tango, outras como valsa.
Sim, eu adoro frango com quiabo, obviamente dispensando a cebola, intrusa indesejável. Deixe na panela apenas o verde do legume e o caramelo do frango. As cebolas, deixemos de lado, não merecem sequer citação. Aliás, quem imaginou que a cebola seria imprescindível, esqueceu que vários são os sentimentos envolvidos: o sabor, o equilíbrio, a forma e a textura. Nesse último quesito, a tal cebola perde de mil. Esquecemo-la!
Numa panela a arder sobre a trempe do fogão, o frango mergulhado no caldo, ainda que com cebolas disfarçadas, em mínimos pedaços, pois sou forçado a reconhecer que sabor a danada tem, e o quiabo a orbitar, em pedaços.
Isso tudo me faz imaginar um indivíduo, em não sei quantos milhares de anos atrás, caminhando pela mata com uma galinha debaixo do braço. Ele era diferente, queria incrementar o prato e, para tanto, pensou em cores. Escolheu o verde e saiu à cata. Quem será que lhe apontou o quiabo? Onde o viu pela primeira vez? É uma ideia interessante: o homem com o quiabo em mãos, diante do inusitado.
Fato é que essa história de fato aconteceu, sabe-se lá quando. O quiabo não pulou na panela, como se tentasse o suicídio. Ele foi levado até lá, e de lá nunca mais deveria sair.
Falo desses sabores que de tanto encantar as papilas, alcançam nosso interior e lá cuidam de pichar nossas entranhas a não deixar que nos esqueçamos. Quiabo é assim, gostoso até o fim, a cada rodela, a cada pedaço.
Em algumas viagens procurei pela iguaria e só encontrei expressões desacreditadas, desesperançadas, eu diria. Fiquei a imaginar como sobreviveram tantos anos, alguns milhares, sem encontrar o sabor do quiabo.
Tudo isso me levou a pesquisar como tudo aconteceu, como o quiabo veio parar em praias brasileiras para, após um breve bronzeado, tomar conta do lugar, se enfronhado pelas terras férteis.
Aprendi que sua origem é etíope e, por lógica consequência, entendi que vieram nos navios negreiros. Em meio à dor maior, veio o quiabo.
Minha falta do que fazer levou-me a indagar quando a galinha pisou e comeu minhocas em nossas terras brasilis, pela primeira vez. Daqui não são originárias, eu bem sei. Nas ondas da internet descobri que a origem e asiática e em pouco tempo já ciscavam ao redor das pirâmides. Eita, entendi tudo: a África, muito esperta, cuidou de albergar os dois.
E no mesmo caminho vieram, sabe-se lá, porém em viagens diferentes. Ao que tudo indica os portugueses trouxeram primeiro os galináceos. Com a vinda da mão de obra africana, chegaram os quiabos.
Bom, a despeito da cultura inútil, tenho comigo que foi aqui que se conheceram intimamente. Namoraram, noivaram, casaram-se. Foi em nossas terras que o enlace aconteceu, pularam na mesma panela e juntos se fundiram no melhor dos desejos.
Vem daí o fato de que frango com quiabo é sempre uma declaração de amor de quem faz para quem degusta. No fundo da cozinha, à espreita, a mulher espia por uma fresta o sorriso que brota nos olhos de quem está comendo frango com quiabo, desde a primeira garfada, ou colherada, sabe-se lá!
Hummmm o seu texto deu água na boca!! Para mim faltou somente o angú kkkkk
Que delícia .