Daniela Mata Machado
O jarro se quebrou irremediavelmente. Eu gostava dele. Significava muito para mim. Aqueles desenhos delicados, de uma cena bucólica em algum lugar do passado, tinham o poder de me transportar para lugares e épocas em que eu gostaria de estar. Estou há horas tentando colar o jarro. Já colei dois dedos com Super Bonder, mas o jarro parece um arremedo de Frankenstein. Estou aqui, um pouco desolada, tentando reerguer um cenário que já se desfez.
Me lembro do dia em que comprei o jarro. Era um tempo feliz e eu estava determinada a manter um arranjo de flores sobre a mesa e trocá-lo todas as semanas. Era um tempo em que minha alma parecia florida e a sala tinha uma alegria que cheirava às vezes a jasmim, outras vezes a rosas e em algumas ocasiões a damas-da-noite recém-colhidas na porta de casa.
O jarro testemunhou encontros memoráveis naquela casa que já não há. Recebeu muitos elogios das visitas e acolheu as flores que elas traziam. E serviu também de morada aos buquês trazidos pelos enamorados que se perderam pelo caminho. Me acompanhou nos tempos das festas e nos dias de lágrimas e solidão.
Nas dezenas de vezes em que tudo desabou e o chão pareceu se abrir sob os meus pés, ele estava ali, conferindo estabilidade e solidez. Ele era a minha ilusão de que alguma coisa sempre seguiria ao meu lado, mesmo quando todo o resto se desfizesse. O jarro me acompanhou nas mudanças, esteve ao meu lado na felicidade dos encontros e na dor de cada separação. Na comemoração de cada vitória. E viu as flores murcharem e não serem trocadas a cada vez que não tive forças sequer para jogar a água fora.
Descobri que acetona é um ótimo removedor de Super Bonder nos dedos, ainda que, como efeito colateral, acabe tirando também o esmalte das unhas. Colo uma parte do jarro e percebo que está desalinhada somente quando tento encaixar o outro caco.
Subitamente, começo a rir da minha empreitada. O jarro está quebrado. Irremediavelmente quebrado. Não há o que colar. Ele não estará no centro da mesa quando – e se – eu decidir comemorar o meu próximo aniversário. Não será testemunha das minhas próximas noites de silêncio ou de música. Não receberá mais flores, nem ficará vazio, aguardando por elas, pelos longos períodos em que eu me esquecer de enfeitar a casa e a vida.
O jarro se quebrou. Desisto de colar seus cacos e aceito que, como ensina o título daquele livro de Marshal Berman, “tudo que é sólido desmancha no ar”. Os encontros. Os desencontros. A alegria. A tristeza. A música. O silêncio. O jarro. Tudo, com o tempo, se esvai. E a gente, por ora, segue.