Fazia mais de quinze minutos que eu esperava o ônibus, no ponto da rua Tamoios, ali bem pertinho da Igreja São José.
Não me sentia cansada, mas impaciente e um pouco irritada, pois toda ida ao Centro (depois da tentativa de assalto) me deixa ansiosa. Agora, antes de sair, eu tomo o extremo cuidado de tirar todo e qualquer adereço dourado, mesmo que não seja ouro.
Resolvi pegar um táxi.
Como falo bastante, em poucos minutos eu já sabia que o Arthur (com agá, ele me explicou) tinha a idade do meu filho mais velho, já era motorista de táxi há mais de dez anos. Seu pai tivera um grave AVC e não podia mais trabalhar. Arthur me conta que tem um outro trabalho como porteiro de um prédio “bem chique”, no Mangabeiras, e como tinha uma folga por semana, aproveitava para ganhar um dinheirinho extra como motorista.
Conversa vai, conversa vem ele diz que ainda tem que pegar o seu filho mais velho na casa de um colega. Depois iriam os dois pra casa. Hoje ele não trabalhará à noite.
– Que idade tem o seu filho? Eu pergunto.
– O mais velho tem 15 e os outros dois 10 e 8.
– Jesus!!! Você foi pai aos 22 anos? E tem três filhos? Todos meninos?
– Sim, quase um time de vôlei – ele sorri.
– Sua mulher trabalha?
– Sim, num salão de beleza perto de casa.
– Ah, eu digo. Fico calada.
– Mas aí é que está o maior problema da minha vida. Ela está querendo se separar. Sabe por que, senhora? Porque está apaixonada por uma colega, lá do mesmo salão. Sim, outra mulher, imagina a senhora. Há três meses ela me contou. E eu já tive ódio, raiva, tristeza, já chorei, agora tô mais conformado. Minha mãe é boa pra dar conselhos e me fez ver que cada um escolhe o que quer da vida.
Eu nada respondi, apenas concordei!
Ele continuou a me explicar que confidenciou a história a um tio com quem sempre se dera muito bem. Era um amigão. O tio também foi compreensivo com a decisão da ex-mulher.
– Deus sabe o que faz, dissera o tio. Tenha calma, meu filho, e deixa que o tempo resolve tudo. Pegue com São Judas Tadeu, ele vai te ajudar, tenho certeza.
Arthur não comentara com nenhum dos colegas lá do Ponto de Táxi. Um deles já havia falado, certa vez, que essas mulheres merecem um tiro!
– Deus me livre, também não é assim, ele me contou.
Arthur me confidenciou que andava muito pensativo e reflexivo.
Mas tinha bons princípios, recebera apoio dos familiares mais próximos. A mãe e o tio lhe fizeram ver que, por mais que fosse difícil, era uma escolha que ele deveria aceitar. E parar de sofrer, ora!
– Até aí, tudo bem, ele continua a me falar. O problema agora é outro: Samuel, o meu filho de quinze anos não aceita de jeito nenhum a situação. Chora muito, tem dormido mal, ansioso com receio de que alguém lá da escola possa saber. E se os colegas da escola souberem “o que a mãe dele é…” E, ainda por cima, “detesta aquela peste”, falando sobre a namorada da mãe.
– Procuro explicar, dou exemplo das artistas da TV, faço o que posso, mas ele só diz: – Que ódio, pai!
Coloquei todo meu coração de mãe na escuta daquele rapaz.
Felizmente, ele já tivera a compreensão da mãe e do tio.
Parecia estar, aos poucos, menos magoado.
Reforcei tudo que seus familiares haviam dito.
Procurei animá-lo e mostrar que uma relação homoafetiva pode sim, ser cheia de amor, de afinidades, de afeto verdadeiro.
– Pense nos grandes sofrimentos da vida: mortes, acidentes com lesões irreversíveis, doenças graves, assaltos, roubos, grandes tragédias…
– Olha, Arthur, ao invés de se entristecer com todos estes motivos que lhe deixaram arrasado, procure ser grato por tudo de bom que você tem. Tudo mesmo. Antes de dormir, mentalize o que existe de simples e de maravilhoso em sua vida: seus pais ainda vivos. Seus filhos, crianças normais, sadias; seu tio e amigão com muita saúde. Você tem seu emprego, tem o seu taxi, tem onde morar, tem o que comer. Tem seu banho quentinho, sua cama gostosa, seus cobertores quando faz frio. Pode comprar uma roupinha nova, pra você ou para os filhos… e porque não, uma nova namorada. Pense bem, são muitos os motivos pra sentir gratidão. Pense nisto, a gratidão é um sentimento mágico, não deixe de experimentar e vivenciar tudo que ela tem pra lhe oferecer.
Antes de abrir minha bolsa e tirar minha carteira vejo que ele se vira e direciona para mim as duas mãos. Automaticamente, recoloco minha carteira na bolsa e coloco minhas mãos nas dele. Nos olhamos e vejo que ele tem lágrimas nos olhos. Ele me agradece “por tudo” e beija minhas mãos. Não sei o que dizer e também lhe beijo as mãos.
Não lhe perguntei quanto devia. Continuamos a nos olhar.
– Esta viagem foi tudo que eu precisava, dona, foi o melhor presente que eu poderia ganhar hoje!
Agradeci e saí do carro.
Fechei a porta e quando ele saiu devagar. Joguei-lhe um beijo e acenei:
– Tchau, Arthur!
*BH, tarde de terça feira, 05 de julho 2022
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Ah Rô, que lindeza de conto.
A vida, por vezes, nos propicia a oportunidade de sermos colo que acolhe. Nem sempre estamos antenados para exercemos esse papel, mas quando o somos é maravilhoso.
Nesse caso, a gratidão torna-se via de mão dupla , à vida por sermos, por termos o colo necessário para o próximo, ao acolhido que encontrou em nós nós a confiança importante à escuta. O sentimento de gratidão é transformador nos trazendo uma onda transbordante que nos banha de benesses.
Parabéns! Bjs .
Costumemos focar nos problemas e esquecemos o que temos de maravilhoso em nossas vidas. Bela reflexão. Parabéns Escritora
Bom dia.
Conto interessante e gostei da manifestação solidária da autora para serenar os pensamentos conflitantes do motorista. Só há uma ressalva no texto, a pergunta infeliz: Sua mulher trabalha?
obrigada pelo seu comentário...
um abraço
Rô