Carta aberta

Raniere Sabará

Parteira de meu ventre. Aprendi com a minha grande sábia a beleza de saber ser mulher. O choro sempre foi sinônimo de resistência. Sua fraqueza não podia ser sentida. Era tão quanto sentimental. Foi tão sentimental que em uma perda lastimável, nesta tarde de domingo, senti além do que meus olhos poderiam ver. Minha grande amiga, mãe, embargou em um lugar que durante muitos anos lhe era desconhecido. Perdeu o seu segundo espelho da criação. E isso se torna uma carta aberta de pêsames.

Amadrinhar. Tornasse uma segunda mãe. Cuidar. Amparar. Perdoar. Conselheira dos desencontros e parteira dos encontros. Ser a gota de orvalho numa vida tão derradeira. Para minha grande amiga, mãe, de uma forma profunda, dói vê-la partir.

Hoje, ela sente que vai embora uma parte de si. A esperança por dias melhores, recostou no coração que se fecha. Dilacera. Ecoa. Os olhos castanhos que tomavam forma com as risadas, hoje se transformou na pupila inerte, frágil.

As gargalhadas que desanuviava os dias, hoje se torna um silêncio que padece e nos amedronta. Não é um silêncio de paz, mas sim, silêncio de solidão. As coisas começam a não fazer mais sentido. Se pergunta incontáveis vezes do porquê. Infinitas perguntas que ela mesma sabe que não terão respostas. Talvez, em outra vida.

A minha grande amiga, mãe, hoje se lembra de todos os ensinamentos de sua madrinha que a fez se tornar o simbolismo de mulher. As fotografias tiradas pelo acaso, hoje, são as entrelinhas do caminho da recordação que afrouxa o peito apertado.

É uma lança jogada ao mar na despedida. É o corpo físico que transcende para uma vida que não se encontra aqui na terra.

Minha grande amiga, mãe, te digo que o corpo pulsante de sua madrinha se foi, muito embora sua alma ainda vaga ao seu lado como um anjo que a guarda. A matéria do corpo em algum momento irá se desfazer, embora sua memória irá te reerguer nos dias vazios.

O cheiro da comida caseira irá te lembrar as receitas mais singelas que esse corpo te ensinou para amar alguém. Esse mesmo corpo, que hoje se vai, caminhará ao seu lado para ampará-la. Para você, ela deixa como herança o cuidado que te fez ser única. Essencial. Resistência de nossa superfície e alicerce que traz conforto e aconchego.

Esse corpo que hoje se vai, que faz uma parte de você ir embora também, estará ao seu lado no dia em que as noites forem longas e te ninará em forma de travesseiro até você adormecer, lembrando dos tempos de criança onde a dor podia ser acolhida.

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