Que falta que ela me faz

Eduardo de Ávila

Diferente da linda letra de Djavan, o nosso jardim da vida não ressecou e nem morreu. A Margarida que brotou de uma Maria, ao lado de outras quatro irmãs Marias e mais três irmãos, foi e continuará sendo fonte de inspiração e motivação aos seis – entre oito – filhos do papai Carlos e da mamãe Maria. E, claro, dos nossos sobrinhos-netos e bisnetos da família que tinham nela a tiazona divertida para passeios e noite do pijama.

Em tempos passados, era conhecida como a flor das donzelas e nos dias de hoje, entre outros adjetivos, da juventude, sensibilidade, bondade e afeto. Assim foi a nossa Margarida, irmã – a quinta entre oito e exatamente a do meio entre as Marias – que nos encantou e embalou até mesmo nos poucos dias que esteve acometida de uma doença fatal, desconhecida e cruel.

Dona de um bom humor inigualável, colecionamos lembranças de suas brincadeiras nos encontros da família. Os primos do meu lado materno tem uma gula por banana frita – com queijo ralado, açúcar e canela – nunca consegui entender bem a razão desse desenfreado desejo. Num dos almoços da família, lembrou a prima Terezinha, depois de muita cerveja e comida foi servida a sobremesa. Ninguém se habilitava à mesa, até que ela – sorrateiramente – anunciou: “a banana frita está esperando para ser saboreada”. Foi uma correria desenfreada. E, como em festas juninas, “é mentira”, eram outras guloseimas.

A mim pessoalmente, foi uma amigona diferenciada, superou ser irmã e – nem tanto quanto sugeriu uma pessoa querida – não foi mãezona por uma única razão. Não me reprimia. Ponderava, argumentava, mas – no fundo eu penso – adorava meu jeito irreverente de levar a vida. Tinha sempre, na ponta da língua, um conselho da nossa quase centenária vovó Venina – que viveu exatos 98 anos e 11 meses – “entra por um ouvido e sai pelo outro”. Se for enumerar outros feitos dela comigo, seguramente daria um monólogo interminável, tantas foram suas ações. Desde material e muito mais nas longas prosas que nunca terminavam. O sofá, da casa dela e da minha, era um verdadeiro divã.

Tem poucos dias que, a sua esperada subida ao plano superior se concretizou. Por mais bem preparados que estávamos, explicar essa dor é algo que me confunde a crença espiritual e a busca do equilíbrio com a vida terrena – exclusivamente material – e doída. Nem pude ir me despedir dessa irmã tão especial em função de um delicado pós-cirúrgico. Daqui à distância mantenho vivo nosso canal de comunicação. Aconselhado a não viajar, tive um reservado e discreto diálogo com ela, que me sugeriu preservação do corpo físico enquanto ainda dependo dele. Acredite se quiser, vi a carinha boa dela me olhando, com a mesma ternura e serenidade. Foi o suficiente para aceitar minha debilidade temporária.

Estou, ainda distante dos meus irmãos, que pretendo encontrar amanhã, conversando, chorando e rindo ao mesmo tempo. Sou resistente ao conformismo, “ela está num bom lugar e não sofreu com a doença”, mas confesso que estou cedendo e aceitando que foi o melhor para Margarida – que não ressecou e nem morreu – por mais doloroso que seja aos seus irmãos, sobrinhos, tias, primos, e uma legião de pessoas que admiravam o seu jeito e a maneira elegante, sorridente e amável que carregou nos seus 75 anos de vida.

Felizes os que a antecederam, como mamãe, papai, Faustos (marido e irmão, eram dois), Fernando e Luís (cunhados), vovós, vovôs, tias, tios, primas, primos e tanta gente que está do lado de lá comemorando a chegada dela. Vai ter festa, almoço, Natal, Ano Novo e tanta comemoração que ela vai organizar e divertir a todos. Anotem! É um desabafo pessoal. A dor é muito grande.

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15 comentários sobre “Que falta que ela me faz

  1. Eduardo, (Dudu) sinto muito pela partida da Margarida, flor linda que está protegendo o canteiro dos irmãos na terra. Meu abraço

  2. Maravilhoso preito de amor e dor! Todos dizem a mesma coisa de Margarida. Linda, alegre, carismática, generosa! Não tive o prazer de conhecê-la na intimidade, mas sempre achei e cheguei a me expressar, que sua filha se parece muito com ela. Lindas as duas! Que você encontre consolo nas lembranças deixadas por ela!

  3. Vai-se um pedaço da gente… mas resistimos, amigo. Sempre solidário a você, um irmão que toda Margarida gostaria de ter, e alegre-se com a festa que ela está fazendo ao lado dos outros seus que também já partiram.

  4. Que lindo texto! Sensível e cheio de amor. Meus sentimentos.. e tenho certeza que todos no céu estão em festa!
    Por aqui sigo lembrando da Tia Balida transmitindo aquela alegria que ela sempre emanava! Um grande abraço!

  5. Havia em sua irmã uma marca indelevel e registrada: o sorriso mais meigo que pude ver na vida, e, imagino o privilégio seu de tê-la junto a ti por tantos e tantos momentos intensos da existência. Compartilho contigo sua dor fraterna, e, levo a ti meu abraço reconfortante nesse momento que lhe é doloroso.

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