Era algo como uma presença, uma entidade, uma energia estranha que Alfredo sentia ao descer do carro para abrir o portão, sempre que chegava tarde da noite em casa.
Assim que se voltava para o carro, o rapaz avistava, de relance, sob a penumbra de uma luz fraquinha, envolta pelas cortinas brancas da pequena janela da casa do outro lado da rua, Dona Charlene.
Dona Charlene tinha pelo menos uns 150 anos, pois Alfredo a conhecia desde criança e, desde criança, ela já era bem velha. Naquele tempo, em que Alfredo jogava bola na rua com a criançada do bairro, Dona Charlene era conhecida como a Bruxa do 114, número da casinha de tijolos, onde mora até hoje.
Aliás, até hoje, a visão de dona Charlene atrás da janela provoca arrepios em Alfredo. Com seus cabelos brancos e longos e desgrenhados, vestindo um roupão velho e ostentando aquele rosto enrugado e sisudo, Dona Charlene parece um fantasma na janela. A sua imagem, espionando o rapaz que arrasta o portão tarde da noite, lembra aquelas fotografias antigas, em preto e branco, de gente que já morreu há muito tempo, mas que não se desgarrou das coisas mundanas.
Mas Dona Charlene estava viva. Bem viva. Sempre atrás da janela. Sempre tarde da noite. Provavelmente, confabulando com o Diabo, rogando imprecações contra garotos que arrastam portões tarde da noite e emanando feitiços terríveis, capazes de transformar adultos em lesmas ou baratas. Alfredo desviava o olhar, conduzia o carro até a garagem e fechava o portão com pressa.
No último sábado, Alfredo tinha um encontro marcado com uma garota que conheceu no café, onde passa algumas horas depois do almoço, matando o tempo. Combinaram de assistir à sessão das 23 horas, no cinema da cidade. Chovia muito naquela noite. E, ao sair de casa, Alfredo precisou arrastar o portão rapidamente e, via de consequência, ruidosamente, para não se molhar.
Ele mal havia terminado de arrastar o portão quando a presença o tomou de assalto. Do outro lado da rua, na pequena janela, dois olhos malvados o observavam, como os olhos de um gato fixam à sua presa. Alfredo olhou de volta e, neste instante, a imagem de Dona Charlene desapareceu em uma velocidade surpreendente e inexplicável, assim como o fazem os seres sobrenaturais.
De repente, a porta da casa de tijolos se abriu. Alfredo ficou imóvel debaixo da chuva, sem esboçar reação, provavelmente sob os efeitos de uma espécie de feitiçaria. Então apareceu Dona Charlene, que segurava um casaco puído, que possivelmente pertencera ao seu finado marido.
Congelado de medo sob a chuva, Alfredo escutou aquela voz fraca e escarnecida, vinda das profundezas de uma alma excomungada:
— Ô, meu filho. Assim você vai ficar doente. Leva este casaquinho!
*
Stephen King já era um escritor rico e famoso, no início da década de 1990, quando havia lançado os três primeiros livros da aclamada série “A Torre Negra”.
O processo de escrita da sequência, o terceiro livro, ‘Mago e Vidro’, foi conturbado, já que o rei do terror estava trabalhando, concomitantemente, em pelo menos outros dois projetos importantes, sendo um deles, nada mais, nada menos, que a obra-prima “A espera de um milagre”.
Portanto, “Mago e Vidro” vinha se arrastando.
Até que King começou a receber uma enxurrada de cartas de leitores cobrando a sequência de “A Torre Negra”. Uma delas trazia um retrato Polaroid de um ursinho de pelúcia amarrado com correntes e um bilhete feito de letras cortadas de velhos jornais e revistas, que dizia:
PUBLIQUE O PRÓXIMO LIVRO DA TORRE NEGRA IMEDIATAMENTE OU O URSO MORRE.
King afixou a imagem na parede do seu escritório para se lembrar de que não se pode brincar com um leitor faminto.
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