Victória Farias
“… Fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol.” Albert Camus disse isso uma vez. De um jeito deturpado, a frase ficou grafada na minha cabeça como “fui posto a meio caminho entre o sol e o deserto.” Durante a semana passada, essas palavras ficaram ecoando repetidamente em meu consciente, “posto no meio do caminho entre o sol e a miséria (ou o deserto)”. A meio caminho nada habita, nem no deserto, nem na miséria. Não há espaço de vida para nada, nem ar para encher nenhum pulmão.
O meio do caminho é estéril e não permite que nada permaneça. O meio do caminho me prende, e não me deixa ir para lugar nenhum. Assim, se subir demais, o sol me queima e me impede de ver o horizonte; se descer demais a miséria do deserto me contamina e eu não consigo ver nenhuma luz à frente. É o sol de um dia nublado que nunca se põe. Um branco brilhante que contrai a minha pupila enquanto eu insisto em continuar.
O meio do caminho é cansativo e exige muito. É uma linha reta que não permite que estejamos nem por cima nem por baixo por muito tempo. Alguma hora temos que encontrar novamente esse limiar invisível que nos conduz.
Há aqueles, é claro, que ousam escolher. Que ousam subir demais para ter certeza que o que veem de cima é luz, ou descer demais para provarem da extrema aridez. No meio do caminho, por sua vez, não há decisões a serem tomadas. É a possibilidade, no entanto, que faz o meio do caminho ser o único lugar que nos é permitido estar. É daqui que posso escolher entre queimar as minhas asas ou encharcar minhas penas de água. E, como se explicando, Camus finaliza: “a miséria impediu-me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo.”
É por isso que escolhi.
Sempre seu, nunca meu,
Icarus.
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Pintura: Jacob Peter Gowy ‘s The Flight of Icarus