Peter Rossi
Estou ficando velho. Me dou conta disso quando me levanto. As costas não reagem bem ao ângulo de 90 graus da cadeira. Estou tendo dificuldades para escutar. Atribuo às máscaras que não me permitem perceber a leitura labial. Hoje percebo que sempre fiz isso. Vai ver nunca escutei bem, embora pensasse que tinha ouvido absoluto. Vai saber.
Enfim, sozinho, me realizo observando essas minúcias, esses acontecimentos breves e pequenos que nos mandam muitos sinais. Sim, estou ficando velho. As pessoas desconhecidas não mais me chamam de você, mas sim de senhor.
Conviver com esse estágio não é fácil. Ao mesmo tempo que me sinto feliz e pleno, percebo que devo aproveitar os minutos como se segundos fossem. A ampulheta certamente não será erguida mais uma vez. A areia que pinga traz os últimos grãos.
E nem digo isso por amargura. Repito, estou feliz. Vivo um dia de cada vez, sem planos maiores. Acho que envelhecer é isso, deixar de lado projetos mirabolantes e enfrentar um novo dia, com uma simples compra de um objeto como uma aventura. Coisas simples se agigantam.
Por exemplo, essa semana a minha aventura foi comprar um vaso amarelo. Resolvi fazer um espaço de lazer no apartamento e adotei a cor amarela como a principal. Como adoro plantas, quis que estivessem agasalhadas em vasos daquela cor.
E que aventura! Fui a umas três lojas até encontrar o que queria. Custou pouquíssimos reais! Que coisa boa! Como é bom se contentar com pouco. Menos é mais quando a gente sente que o tempo passa mais rápido do que antes corria. Após os cinquenta e muitos a gente percebe que o relógio adota uma velocidade ultrassônica. Normal que seja assim. A lentidão das tardes pertence aos meninos, que nelas se deitam a brincar.
À certa altura da vida, desprezamos o tempo. Sentamos na cadeira, no escritório, e sequer olhamos para a janela. Aliás, é normal que estejamos sempre de costas. O dia corre solto e a gente nem percebe. Se é tarde ou manhã, isso pouco importa.
Que bobagem! Deixamos de ver tanta luz a penetrar pelo vidro. Não observamos as floreiras sob as janelas. Não percebemos que as flores dançam o dia todo, num sorriso contínuo. Na cidade em que vivo, os ipês colorem os morros, as praças, as ruas, os corações, nossas saudades, a minha e a sua. Eles são roxos, são também amarelos.
Não existe uma razão para eu ter escolhido a cor amarela pra conviver comigo. Queria apenas tingir o gris, dar um sorriso pra vida e dizer que mesmo devagar eu ainda a amo demais.
Como dizia, estou ficando velho. Mas a dor da solidão é maior que a dor do joelho, o estalar dos nossos ossos. O tilintar da nossa surdez.
Não sei se é tão ruim assim. Meus músculos reclamam, mas ainda respondem. Hoje tenho medo das calçadas não uniformes, mas ainda assim insisto em passar por aqueles caminhos.
Me pego sempre pensando na questão envelhecer. Leio histórias de pessoas que realizaram seus sonhos quando já estavam na terceira idade. Lendo Cora Coralina, fico a imaginar se suas palavras seriam tão doces se as tivesse escrito ainda jovem. Tenho minhas dúvidas.
Ficar velho é prenúncio, mas não é tão ruim assim. É só uma reflexão. As músicas adentram a nossa alma sem barreiras predefinidas. A gente se liberta de correntes pesadas que justificavam condutas socialmente aprovadas e, usando esse tal envelhecer como escudo, passa a mão na bunda do herói na estátua. Ainda que devagar, a gente ergue o joelho barulhento e pisa na grama, fingindo não ler a plaquinha que diz que é proibido pisar ali.
As pessoas são mais benevolentes. Falam mais baixo conosco, talvez temendo que a gente tenha uma síncope ao ouvir um grito ou ver uma cara feia. Melhor assim.
Mais velhos percebemos que todas as mulheres são lindas. Elas são muitas. A gente não adota uma fita métrica a medir todas as curvas. Isso pouco importa, se é que um dia de fato importou.
Caminhando devagar a gente tem a oportunidade de ver o entorno, cuidando de admirar todos os detalhes. E quantos detalhes nos passam na juventude. Posso dizer, e de fato digo: quando jovem, nossa visão é mais rasa, pelo menos a minha era. Hoje consigo focar em pequenas coisas, ainda que os óculos teimem em vestir lentes cada vez mais grossas. Caminhando passo a passo há tempo para admirar o contorno da fechadura, sem se preocupar com o que existe atrás da porta.
As flores, então? Como são lindas e milimetricamente vestidas? Os jardins desafiam nossos sentidos, em todos os sentidos! Uma profusão de cores e texturas que até então desconhecia, melhor dizendo, ignorava. Já pararam pra pensar como é lindo um jardim florido? Uma pintura em três dimensões. Em três, não, em quatro, pois o cheiro é igualmente maravilhoso!
Ainda a caminhar prestamos atenção que nossa cidade está em constante movimento. Vemos os prédios e nos lembramos do que antes existia ali. E nossa memória nos traz momentos tão bons e felizes que conseguimos viver, é como se fosse, a vida em vários estágios. O ontem, o hoje.
Ao falar de velhice, o que a gente deve evitar é pensar no amanhã. Esse aí não interessa, é totalmente dispensável. Não devemos fazer planos que não conseguiremos resolver nos próximos quinze dias. Viver a vida é sublime. Pensar no amanhã é perder tempo com relação ao dia de hoje. Acordemos felizes e vamos viver esse dia, ele não durará nem mais, nem menos. Mantermos nossa alma jovem é absolutamente necessário. E alma não tem ouvido, nem olho tem. Alma sente e sentir é o melhor. Nossa alma, ao contrário do nosso corpo, insiste em enveredar num sentindo oposto. Em determinado momento da vida ela percebe que já deu, e não se permite envelhecer. Não! É ela quem nos mantém empertigados e prontos pra aproveitar todas as cores e aromas da vida. E o olfato, a velhice não retira. Aí seria demais né? A visão diminui, os passos são mais contidos, a audição se perde, mas os cheiros da vida estão aí para serem experimentados. Devemos nos manter cheirando a flor do jardim, o perfume da mulher, a broa de milho, o café quente. A gente deve estar atento até aos cheiros do dia, a terra molhada, o orvalho, o sol quente. Tudo isso entra por nossas narinas. Prestemos atenção.
Já basta nosso ritmo mais lento. Vamos respirar o ar na plenitude de nossos pulmões. Nada de guardar ar para uma futura emergência. Nada disso! O que vale é o agora! Durante nossa juventude sempre pensamos no amanhã. Pois bem, o amanhã chegou, ele se fantasiou de hoje, aconteceu.
Não vamos mais perder tempo. Ao contrário, vamos usufruir do que sempre perseguimos, afinal pra que pensamos tanto tempo nisso!?
Meu irmão a melhor definição para idoso é “um jovem que deu certo”.
Aprendi com a vida a conter minha ambição para não ter de reduzir meus sonhos.