Peter Rossi
O tal GPS ainda não existia. Posso até garantir que sequer fora imaginado. Na minha pequena cidade, entretanto, um riacho cuidava de dar a direção a todos, serpenteando ao lado de uma estradinha de terra batida, ladeando cercas vivas que, por sua vez, escondiam casas invariavelmente brancas, algumas com barrados em azul, outras em verde. O Rego Grande.
Nos barrancos existentes na outra margem, contrária à estradinha de chão, avencas e samambaias viviam felizes para sempre, muito verdes, respirando aquele ar sempre úmido e limpo.
Além de mostrar o caminho, o Rego Grande era também a referência a encurtar distâncias. “Siga o Rego até a Peneira e você chegará ao seu destino.” Peneira? Como assim?
É verdade em uma de suas extremidades, o Rego Grande chegava até a Paneira, um lugar em que sobre vergalhões o riacho cuidava de se esconder. A partir dali não era mais visto. Existia uma cerca, na minha infância, que demarcava o suposto fim. O Rego Grande simplesmente sumia. Menino, não me preocupava com nada disso. Afinal, onde foi parar o riacho?
Na outra ponta da estrada, a vida do Rego Grande terminava numa construção de tijolos marrons e muitos, mas muitos fios de negritude ímpar. Não sabia do que se tratava, apenas aprendi que seu nome era … Máquina! Isso mesmo, máquina! Naquele ponto, o riacho contornava barrancos enormes, todos repletos de plantas, não se viam mais casas na vizinhança.
O riacho teimava em não seguir reto! Era como se espreguiçasse de tempos em tempo, ora esticando cada parte do seu corpo. Diversas dobras e nelas, vários momentos de nossas vidas.
Me lembro desse percurso em cada detalhe. Às vezes seguia a pé, noutras na minha bicicleta azul, Monark Olé 70. Mas não pensem que isso só ocorria aos finais de semana. Nada disso! Para ir até a escola, todos os dias, lá ia eu e minha meninice, segurando uma pasta preta da qual era imensamente orgulhoso, trilhando ao lado do Rego Grande até o grupo escolar.
Foram várias as vezes em que cheguei em casa com as meias brancas totalmente coloridas de terra, pois chutar as pedrinhas da estrada era um divertimento só. E de bicicleta então? Ouvindo o barulho dos pneus a esmagar o cascalho, num ritmo compassado.
Quando o sol castigava os ombros tiravas os sapatos e as meias e não me furtava e caminhar dentro do Rego Grande. Era um riacho estreito e raso, dava pra ficar dentro dele sem mínimo esforço. Sua água era geladíssimas e escorria por entre os dedos do pé, a ponto de formigar. Uma sensação que subia por nosso corpo a refrescar o nosso sorriso.
Mas tudo na vida, infelizmente, tem um fim. Não foi diferente com o Rego Grande. A expansão imobiliária e o crescimento desordenado da cidade mataram o meu amigo. Não corre mais água por ali.
A estradinha de terra nem existe mais. Hoje o forro é de bloquetes frios e insensíveis. As margens do que antes fora o Rego não abrigam mais barrancos com avencas. Só sobrevive uma pequena amurada de concreto e tijolo.
A velhice cuidou de criar muitas rugas naquela imagem. Até o riacho cuidou de fugir. A mim, basta a lembrança do passado que, aliás, jamais deveria ter ido. É incrível como a gente despreza as companhias de nossa vida, nossos amores, em troca do que não conhecemos.
Hoje o Rego Grande é só uma saudade, que vai da Peneira até a Máquina, mas que, mesmo com seus quilômetros, insiste em agasalhar meu coração e minha alma inquieta, alma que ainda caminha por ali, devagar, a espreitar a próxima curva, dentre tantas, descortinando ante olhos úmidos um curso d’água que mostrava como era simples ser feliz!
Não escuto mais o barulhinho da água deslizando sobre o leito de pedras e seixos. Não consigo mais fazer das mãos uma cuia a abrigar fartos goles. Mas tudo isso apesar de não estar frente aos meus olhos, nunca saiu de mim. Na verdade, passei a compreender que o Rego Grande não desapareceu, ele continua lá, só que escondido. Bem escondido, no fundo da minha alma de menino.
Peter boa noite,fomos vizinhos muuuuuuitos anos,me lembro qdo vc nasceu,vc citou meu pai em um dos textos fiquei muito emocionada e feliz,convivemos muito , inclusive me lembro de todos,D.Nazinha,D.Sonia,etc.Sucesso para vc
Uma pena que o Rego Grande esteja desativado atualmente! Era tão bom caminhar ouvindo o barulhinho das águas e contemplá-las deslizando vagarosamente… Tenho saudados
*saudades.
Como vai Peter?
Gostei de rever o Rêgo Grande através das suas lembranças. Revelou um pouco das nossas. Nossa cidade mudou mas continuamos recordandam nossa vida simples, vivida com amor.
Abençoado Natal para vc e sua amada família.
Piter, que matéria leve, suave e bonita a descrição de nosso Rêgo Grande.
Caminho tranqüilo de passeio às tardes, ouvindo o murmurar preguiçoso de suas águas.
Enfim, vivemos de recordações, dando lugar à modernidade.
Te desejo sucesso e Boas Festas junto aos seus.