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Exame de direção era o meu pior pesadelo

Reprodução/Pixabay

Aos 18 anos, tirar carteira de motorista era o mesmo que assinar a minha carta de alforria. O mundo se abriria à minha frente, meus amigos me respeitariam, as garotas me desejariam e eu, definitivamente, deixaria de ser um bundão.

Mas, para chegar lá, antes precisava vencer o chefão.

Aos 18 anos, ser reprovado no exame de direção era o mesmo que assinar o meu atestado de óbito. Não há vida pós-reprovação. Então dediquei à autoescola como um garoto normal se dedica ao vestibular. Eu não estava nem aí para o vestibular. Vestibular não traria garotas, viagens, histórias.

Havia desafio maior: Marcos Bomba.

Em Araxá, nos idos de 2000, todos conheciam o policial civil Marcos, responsável por aplicar o exame de rua aos candidatos e, via de consequência, aplicar-lhes bomba.

Como o velho Gandalf, de “O Senhor dos Anéis”, Marcos Bomba olhava para aquele candidato com espinhas na testa, hormônios aflorados e vontade de sair por aí cantando pneus, e então pensava: “you shall not pass”.

Ninguém passava com o Marcos Bomba.

Na noite anterior ao meu exame eu não pude dormir. Eu estava morrendo de medo. Passei a madrugada rezando para que o aplicador do temido exame de rua fosse o Jason, o Freddy Krueger, o Godzilla, enfim, qualquer monstro que não fosse o Marcos Bomba.

Chegado o grande dia, pus o meu tercinho no bolso, respirei fundo e fui até o local da prova. Gente de todo o tipo se aglomerava em frente ao prédio da Polícia Civil. Carros de autoescola chegavam e partiam. Candidatos manobravam o automóvel no espaço entre dois cones, sob o olhar julgador de todos. Alguns acertavam. Muitos erravam. Comecei a me divertir com as trapalhadas alheias, percebi que eu era melhor do que a maioria dos futuros condutores e, aos poucos, fui me acalmando.

De repente, chamaram pelo meu nome.

Ao entrar no carro da autoescola, eu me sentia mais calmo e confiante.  Até que o instrutor sentou no banco do passageiro e se apresentou: “prazer, Marcos”.

Sim, era o Bomba.

Incrivelmente, fui aprovado no exame com certa tranquilidade. Passar com o Marcos Bomba com tranquilidade é vencer na vida, meus amigos e amigas. E eu venci. Mas o tempo passou. E, junto dele, foi-se aquele jovem entusiasmado com o volante.

Em algum momento, acabei me desviando do bom caminho e, por algumas vezes, ultrapassei onde não devia, dirigi com excesso de velocidade e me esqueci de puxar o cinto de segurança.

Então minha carteira foi suspensa.

Na semana passada, fui ao Detran, em Araxá, entregar a minha CNH e obter orientações para recuperar o documento. Quando a servidora me informou que eu tinha 98 pontos no prontuário, eu nem quis saber os detalhes. Temi ser preso em flagrante pelo crime de incolumidade publica e tentei encerrar logo a conversa. Antes, eu quis saber: e agora, o que eu tenho que fazer?

Fui informado de que precisaria passar por um curso de reciclagem para condutores infratores. Hoje, os cursos são rápidos, objetivos e, o melhor, à distância. Se fizesse o dever de casa, em um mês eu voltaria a dirigir.

Mal sabia eu que ainda havia o chefão.

A atendente me informou que, além do curso, seria preciso ser aprovado no exame teórico, sobre legislação e segurança no trânsito. Quando eu perguntei quais seriam as próximas datas de a aplicação da prova, ela me orientou a buscar aquela informação, diretamente, com o aplicador do exame.

Foi quando perguntei o nome do aplicador que ela olhou nos meus olhos, como se pudesse penetrar nos meus mais profundos pesadelos, e respondeu, friamente:

Marcos.

 

Guilherme Scarpellini

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Guilherme Scarpellini
Tags: crônica

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