A morte do WhatsApp

Guilherme Scarpellini
scarpellini.gui@gmail.com

Você pensa que só Mark Zuckerberg perdeu dinheiro com o apagão do WhatsApp? Epitáfio vende apólice de seguros de vida através do aplicativo de mensagens instantâneas. Neste mundo do Cão, ele vinha registrando uma média diária de cinquenta e cinco maníaco-depressivos, bebuns inconsequentes e motociclistas imprudentes procurando por seus serviços. Com o apagão do WhatsApp, ninguém o procurou.

Foi por volta de 11 horas, ao responder a mensagem de mais um cliente com um pé na cova e outro fincado nas coisas mundanas, que Epitáfio notou o apagão. A apólice não pôde ser encaminhada. O negócio não pôde ser fechado. E um silêncio, quase sobrenatural, se pôs entre o IPhone 5, com a tela rachada, e Epitáfio, com a cara quebrada.

A situação persistiu a tarde toda. O relógio do IPhone marcava 16 horas, quando Epitáfio deu o dia por perdido. Mal sabia ele que um milagre o esperava… Plim! Uma mensagem enfim acabava de chegar. Epitáfio, àquela altura do desânimo, já estava jogando PlayStation. Surpreso pela ressurreição do WhatsApp, ele soltou o controle no sofá e correu para alcançar o celular.

A mensagem vinha de número estranho, com muitos 0s e 1s e até sinais nunca antes vistos em números telefônicos, como este: ∞. O teor da mensagem não era menos estranho: “Você não tinha o direito de me negar o seguro, seu filho da puta mercenário!”, dizia a mensagem. “Agora minha filha está passando necessidades!”. Epitáfio começou a digitar algo como “quem é você?” ou “nos conhecemos?”, mas logo percebeu que o maldito aplicativo ainda estava fora do ar. Então outra mensagem veio na sequência, junto com uma fotografia: “Veja se estou em condições de fazer alguma coisa por minha filha!”. Ao abrir a imagem, Epitáfio ficou branco, perdeu o equilíbrio e deixou-se cair no sofá. Um rosto pálido, inchado e parcialmente destruído apareceu na tela rachada do IPhone. Havia larvas dentro de um dos glóbulos oculares, e a metade da boca estava descoberta, a não ser por um feixe de nervos podres, deixando parcialmente à mostra um esqueleto sorridente.

Antes que pudesse recuperar o fôlego, Epitáfio ouviu outro plim! e sentiu o aparelho vibrar em sua mão. Desta vez, o número era uma sequência de três 6s, seguida pelo mesmo símbolo estranho, formando a seguinte numeração cabalística: 666∞. “Porra, Epitáfio. Desculpa a demora, cara. Bebi demais e acabei saindo na primeira curva. Ainda dá tempo de enviar o contrato assinado?”, dizia e mensagem. E arrematava: “Segue anexo”. O anexo mostrava a imagem de um papel amarelado e assinado com sangue. Uma mão apodrecida, com enormes escaras, cheias de moscas e pequenas larvas, segurava a mesma apólice de seguro que Epitáfio havia encaminhado para aquele cliente, três anos atrás. Aquele cliente, que morreu em um acidente de carro.

Com as mãos trêmulas, Epitáfio lançou o IPhone para longe. O aparelho foi cair debaixo do móvel da televisão. Ele beliscou o próprio braço duas ou três vezes, esfregou os olhos e pediu a Deus que estivesse sonhando. Para o seu desespero, ele estava acordado. Tão acordado que escutou o telefone tocar debaixo do móvel da televisão. Tocou uma, duas, três… na quarta vez, Epitáfio criou coragem e enfiou o braço no vão da mobília. O telefone ainda vibrava quando Epitáfio o alcançou. Era Lápide, a sua namorada. Quase sem fôlego para dizer qualquer coisa, Epitáfio sussurrou: “Alô?” “Amor?”, disse ela, com uma voz doce e amável. “Está tudo bem?” “Não”, Epitáfio respondeu. “Mas o que houve?” “O WhatsApp morreu.”

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