Outro dia, uma amiga muito refinada me perguntou por que eu não gostava de usar jóias. Eu respondi que, na verdade, não era o caso de não “gostar”, era mais pela falta de “envergadura” para comprá-las e também pela ausência de coragem para usá-las no meu dia-a-dia, dado o país violento em que vivemos.
Lembro-me que, quando eu completei 15 anos, ganhei um anel de ouro e brilhante da minha avó, que está guardado numa caixinha de jóias que também me foi dada por ela. Um ritual de nós duas para celebrar a minha “maturidade”. A caixa de jóias é feita de couro preto por fora e revestida de feltro negro por dentro. Tem uma fechadura com chave de cópia única, que fica guardada até hoje no meu esconderijo.
– Vai guardando seus tesouros aqui, Dani. – ela me recomendou quando eu ainda era adolescente.
Na semana passada, num dia de arrumação em casa, me deparei com a “caixa preta” e resolvi abrir. Encontrei um par de brincos infantil de ouro e pedra ametista roxa em formato oval que também me foi dado por minha avó, quando eu era criança. Já havia me esquecido deles. Um flash de memórias se acendeu na minha frente. Eu tinha meus 10 anos e ia para a escola, de uniforme, merendeira e brincos.
Aquela jóia, que me foi dada com intenção e afeto, me faziam sentir especial. Os brincos eram um jeito de eu me sentir mais perto de vovó, mesmo quando estávamos longe. O seu valor não estava na raridade do seu material, mas na proximidade que me colocava em relação à ela. Lembro que usei muitos anos aqueles brincos como uma espécie de amuleto.
Num movimento de sucessão, chamei minha filha, lhe contei a história dos brincos e, emocionada, já lhe passei a herança. Agora, Laura carrega a história da bisa dependurada nas orelhas. Tomara que ela se sinta tão especial como eu me senti na época.
Na caixa de jóias também está guardado o umbigo da Laura, objeto valor questionável para muitos, por vezes causa de repulsa. Para mim, registro concreto da nossa primeira conexão. Valor inestimável. Não sei o que farei com ele, mas não sinto que devo me desfazer. Talvez falte um ritual ainda não realizado.
Sobre os umbigos, devo dizer que não sou a única neste grupo a reconhecer o valor deles. Recebi o encargo da querida amiga Taís de depositar o umbigo de seu caçula no leito do Rio Sena quando estive na França em 2016. Laura, então com 5 anos, fez as honrarias. Jogou o aparente conjunto seco de células mortas nas águas do rio, num pôr-do-sol nublado de outono. Um pequeno ritual na Pont des Arts que sacramentou a cura e proteção do pequeno João Pedro. Ritual que reeditou a nossa amizade de infância nas figuras de nossos descendentes. Fico emocionada só de lembrar.
Na caixa de jóias também há um dente. Um dente “extranumerário” pontiagudo, em formato de chifre, que foi extraído do céu da boca da Laura em 2018. Descobrimos ele por acaso, num raio-X, após uma queda. Na época, eu, que sofro de agenesia do dente incisivo lateral superior, afirmei que meu dente faltante havia me sido restituído, com trinta anos de atraso, através dela. Brincadeiras com as tentativas de complementaridade e ordenação do caos do universo. Deste dente, ainda vou fazer um pingente, tão logo me sobre alguma grana para comprar ouro.
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Texto lindo, cheio de histórias de afeto! Nada mais precioso do que o afeto e seus símbolos!