Luísa Bahia
Quando eu era pequena, me lembro de sentir algo muito forte diante de algumas pessoas. Eu olhava para elas, maravilhada e pensava “nossa, ela sabe tanto de si”. Me recordo de observar os gestos, o olhar, o jeito desembolado da figura falar, uma espécie de ímã. Talvez para a Luísa daquele momento, essas pessoas conseguiam responder a uma questão fundamental para o ser humano, ainda mais um ser humaninho leonino: Quem sou eu?
Hoje, acho que talvez o que me encantava naquelas pessoas, não era o saber de si, mas o saber estar no mundo. Com consciência da própria existência, da existência do outro e do contexto ao redor, é mais fluido jogar. Na poética da cena e da arte, desenvolver a presença é desenvolver a capacidade de estar disponível. Nem excesso, nem escassez, mas um copo cheio até o meio.
Todas as noites meu avó Luis visitava o meu tio avó Jair, que havia sofrido uma aneurisma e não falava mais. Meu tio ficava numa poltrona ao centro da sala. Meu avó se sentava ao lado dele, no mesmo sofá aonde eu ficava. Meu tio, como eu disse, não falava. Meu avó, que podia falar, preferia o silêncio. Era assim, todas as noites. E eu testemunhava aquele rito fraterno de só estar.
Quem foi uma última presença que te marcou? Como era a roupa dela, o seu olhar, a sua voz, o seu perfume? O que tinha de estranho? Era uma criança na praça, um velho na banca, uma atendente do supermercado, um jovem se equilibrando num patins? E você? Quando você se sentiu presente? Vendo o nascer da lua, tomando um banho quente? Na chuva, no sexo, na dança, dentro de um sorvete ou de uma oração?
Às vezes a gente acredita que um exercício de presença plena só é possível numa situação extraordinária. Mas a vida ordinária nos presenteia sempre. O lance é que na maioria das vezes a nossa escuta não está atenta.
Há alguns meses eu fiz uma lista de aprendizados sobre a presença, descobertos nesse momento emoldurado pelas telas. Retorno ao tema, pois é sempre tempo de estar mais viva. Dos pequenos rituais, capturei:
– Respirar fundo e longe, para retornar ao próprio eixo.
– Cultivar diariamente o bom humor e a atividade intestinal regular.
– Fazer a sua arte como uma oferta ao mundo.
– Fazer uma lista de abraços imprescindíveis.
– Gastar menos energia com o que não precisa de nós.
– Cozinhar como um carinho.
– Dançar nu no escuro.
– Começar conversas pelo amor e terminar ao lado dele.
– Observar que uma fresta de sol na casa é um sol inteiro dentro.
– Dar o primeiro gole naquela bebida gelada.
Imagino que você também tenha o seu jeitinho de ativar o brilho do instante. De só estar, sem carregar o peso do que já rolou ou antecipar o sofrimento por algo que ainda não aconteceu. Há muitas práticas que nos ensinam sobre isso. Uma vez eu assisti a um programa que contava sobre a Cerimônia do Chá. Dentre as várias coisas interessantes sobre essa tradição japonesa, me chamou a atenção que as pessoas praticantes narram exatamente o que estão fazendo, num exercício atentíssimo de só estar. Me lembrei também de uma frase que ouvi da monja Jutsunma Tenzin Palmo: “A pessoa que está na sua frente é a pessoa mais importante do mundo”. É como se só ela existisse!
Não sei se a Luísa pequena fazia ideia da enrascada que ela se meteria. Hoje a poética da presença é um dos seus maiores nortes, das suas maiores curiosidades. Desejo vivenciar e provocar um estado de jogo, de brincadeira. Joelhos flexionados prontos pra saltar, pernas ágeis para o drible e mãos engatilhadas no floreio. Também desejo aprender a não fazer nada e só estar, respirando.
Às vezes eu quero morar na estrada, surfando naquele vento bom… Aí eu caio na real de que o presente é instante e não dá pra agarrar. Como me sopra Siba e a fuloresta: “toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”… Que não nos faltem perguntas pra caminhar!
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Amei!!!
Luísa escreve com alma e presença.
Elda
Lindo !!!!
Saudades …..