A Praça do Papa foi o nosso quintal por bons tempos. Morávamos em uma casa de madeira, no alto do bairro Mangabeiras e, da varanda, avistávamos o cartão postal: o obelisco, o gramado verde, a cruz e, como pano de fundo, a Serra do Curral.
Coisas nem tão agradáveis também faziam parte do cenário. Brigas, batidas policiais, gente bêbada de Catuaba e sons automotivos ligados no pancadão. Assombrações como essas eram vistas, especialmente, à noite. Por isso, sempre preferi me sentar na varanda pelas manhãs. Livros inteiros foram lidos ali.
Foi numa manhã dessas que vi o homem carregando o pau de algodão doce. Ele atravessava a Praça do Papa, arrastando uma perna coxa. Acima dele, nuvens azuis, brancas, amarelas e cor de rosa balançavam em saquinhos plásticos, como se capturadas de um céu psicodélico. Quase embaixo da nossa varanda, o homem encontrou um pinheiro. Atrás do pinheiro, ele abaixou as calças. E, deste momento adiante, eu não sei mais o que sucedeu, pois voltei os olhos para o livro.
Só ergui de novo o olhar duas ou três páginas do livro depois. Coisas brancas e amarrotadas espalhavam-se ao pé do pinheiro. Papel higiênico, sim, senhor. Pouco mais à frente, estava lá: o homem com o pau de algodão doce. Com a mesma mão que usou atrás do pinheiro, ele entregava uma nuvem azul e outra amarela ao pai de duas garotinhas felizes e saltitantes. E depois seguiu arrastando a perna coxa.
Cá estávamos eu e a Dani, muitos anos depois, sentados no banco da Praça da Liberdade. Quando me dei conta, ela já sinalizava para o homem do algodão doce. Um saquinho de nuvem cor de rosa para ela, sim, senhor. Para mim, nada. Agradeci e tirei uma moeda do bolso.
O homem já ia andando quando reparei que ele arrastava uma perna coxa. Muito sacana que sou, esperei a Dani comer a iguaria e só então comecei a contar a história: a praça do Papa foi o nosso quintal por bons tempos…
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